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Eu não vivi até hoje pra morrer assim

Ah, não!

E vou perder a estreia do novo filme do Woody Allen. E quem vai pagar o plano de saúde? E eu ainda não assisti todas as séries, nem li todos os livros que eu queria. E as férias, eu vou perder as férias que eu nem programei, eu não acredito que vou perder as férias!

Foi nesse nível. O auge de uma segunda-feira de terror e pânico.

E enquanto eu #vou_tecontar meu drama você pode clicar nessa trilha sonora aqui, ó:

Até então eu pensava que o pior acontecimento do meu dia tinha sido encontrar uma barata ao lado da mesa no trabalho. O susto logo cedo, a vergonha do susto, o grito, a vergonha do grito, o ritual da matança pelas mãos do colega heroi, a limpeza terminal (“Tia, passa álcool?”), a checagem do ambiente (vai que a família também veio).

Passou.

Até eu entrar no elevador.
Às 21h10.

Tudo ia bem até que bloft. Barulho. Uma, duas, três vezes. E tchoft. Chacoalhão. Vários.

Eu olhava o painel e torcia pra chegar logo o oitavo andar. Chegou. A porta não abriu. A merda da porta não abriu. Eu estava no oitavo e a porta não abria. Apertei o nove. Chacoalhou, fez barulho. E, de novo, a porta não abriu. Ficou quente, eu tirei o casaco. Eu precisava de um plano. Então eu liguei pro zelador.

– Seu João, socorro, eu tô presa no elevador. Essa droga tá fazendo barulho. Essa merda vai cair. Me tira daqui, seu João!

Ele me convenceu a apertar pra descer. E disse que se não desse certo ele ia desligar e religar o elevador e a porta iria abrir, como das outras vezes. Ele me garantiu que a porcaria da porta ia abrir.

Respirei fundo e cliquei no “T”érreo.

Começou a movimentar E bloft. E tchoft. E parece que eu fiquei ali um milhão de anos. O elevador nunca foi tão quente, tão lerdo, tão pequeno, tão barulhento.

Entre o nono e o quinto andar o meu mundo despencava com a porra do elevador. Nessa hora eu não vi o filminho, mas projetei mil coisas pro futuro. Tipo a família comentando:

– Morreu de quê?
– De elevador.

Nãooooooooo.

Era deprimente demais. Essa modalidade definitivamente não estava na minha lista de possibilidades de causa mortis. Ainda se fosse, sei lá, de avião – e voltando de viagem, né, porque morrer na ida acho injusto.

Então eu fiquei imaginando se eu sobreviveria à queda.

Porque se eu estava mais ou menos entre o sexto e o quinto andar, se a corda arrebentasse, qual seria a aceleração constante, quer dizer a velocidade de queda livre, ou melhor, a intensidade da força da massa em newtons, e foi quando eu me lembrei que nunca aprendi física e eu jamais conseguiria fazer algum tipo de cálculo pra saber se eu ia morrer ou não.

Mas eu concluí, mais ou menos no quinto andar, que se eu não morresse ia ficar toda quebrada no fosso do elevador. Porque elevador não tem airbag, né? E se ali tivesse mola, estaria enferrujada. E lá embaixo seria feio, sujo, escuro, cheio de mosquitos da dengue e baratas. E as famílias do mosquito que me picou e da barata que morreu de manhã iriam rir da minha morte no elevador à noite. Tipo ~ a Lei do Retorno.

Passada a fase da negação e uma vez concluído que eu ia despencar com o elevador, com lágrimas nos olhos desejei não estar sozinha ali.

Geralmente eu prefiro andar sozinha de elevador. Porque eu sou antissocial e elevador cheio me dá certa aflição. Mas nessa hora eu queria alguém. Sei lá, pra morrer comigo, pelo menos (é egoísta, eu sei).

Podia ser o Carlos, vizinho de porta, podia ser o vizinho da fronha do sexto andar, podia ser a babá da menina do nono e podia, até mesmo, no momento mais difícil, a mãe chata da criança que grita.

Na verdade era eu que queria gritar. Berrar até perder a voz. Eu até dei um gritinho – de susto. Igual o grito da manhã, pela barata. Mas daí lembrei que tem câmera no elevador. Foi quando ele parou – o elevador. Estava no quarto andar.

Silêncio. Porta fechada. Calor. Medo.

Eu queria esmurrar a porta. Mas pensei na câmera. Eu não queria que meu último registro em vida fosse de uma mulher desequilibrada, em pânico, urrando e esmurrando a porta do elevador que ia cair de qualquer jeito. Tudo em preto e branco. Eu não queria que os peritos analisassem esse tipo de imagem deprimente. Que minha família tivesse essa lembrança de mim.

Então eu me pedi calma. Me pedi pra respirar. Pensei em tomar gotas extras de floral, mas lembrei que o vidrinho não estava na bolsa.

E eu lembrei dos perrengues que passei ao longo da vida e das vezes que eu achei que ia morrer mas não morri. E achei uma baita sacanagem do Universo me salvar de tudo pra me deixar morrer na merda do fosso do elevador de um prédio velho num dia feio em São Paulo. Ainda se fosse em Paris.

E que ódio eu senti do síndico naquela hora! E de todos os que votaram contra a troca do elevador em assembleia. E apostei que depois da minha morte eles iriam trocar o elevador. E ia sair no SPTV: Mulher morre em queda de elevador em SP. Em seguida pipocariam na imprensa matérias sobre segurança em elevadores.

Eu já tava pensando no meu funeral (será que a família vai lembrar que eu quero ser cremada e não enterrada?) quando o zelador desligou e religou o elevador.

E o prelúdio do meu solo no fosso do elevador deu lugar a um último barulho.

E a porta abriu.

E eu não morri.

.

.

.

Mas agora só vou de escada, viu.

O dia em que eu queimei o amor

Era domingo. Eu ia sair. Mas acabou a luz. Já era noite. Procurei uma vela. Cadê? Não achei.

Abri gaveta, nada. Abri armário, nada. Onde será que eu guardei?

#vou_tecontar, mas enquanto isso você pode clicar nessa trilha aqui, ó:

https://youtu.be/359oIN0yeDI

Ok, vamos lá:  em que lugar, numa situação normal, eu guardaria uma vela?

> No móvel da sala

Água.

Vamos de novo: em que lugar, numa situação anormal, eu guardaria uma vela?

> …

Bingo!

Mas só tinha um toquinho. Acendi. O toquinho e eu ficamos ali no sofá, esperando a luz voltar.

Peguei o celular, bateria em 30%, queria navegar, mas decidi economizar (vai que…). Fiquei na janela, olhando a vizinhança ILUMINADA. Caramba! Não tinha chuva (faz tempo), não tinha ventania, não tinha motivo pra faltar energia e pelo jeito era SÓ NO MEU prédio.

Sentei.

O toquinho diminuía, meu tédio aumentava.

Sem luz > sem banho.

Sem luz > sem música.

Sem luz > sem filme.

Sem luz > sem internet.

Sem luz > sem telefone fixo (aquele que eu IA cancelar).

Sem luz > sem droga nenhuma pra fazer.

Sacanagem… eu IA sair.

Mas naquela hora eu já tinha outro problema > o toquinho.

Ele acabou.

Eu precisava de um plano.

Lembrei das velinhas decorativas. As florzinhas miúdas não iam durar 10 minutos. Mas tinha as pirâmides do amor. Uma duplinha de velas pequeninas em forma de pirâmide com uma inscrição japa e a palavra “Amor”. Ganhei de alguém, nem lembro quem.

Mas poderia eu queimar o Amor?

Eis o dilema.

Porque cada Amor ia durar, sei lá, uns 30, 40 minutos, se pá.

Mas eu não queria dormir cedo. Passava pouco das 19h30. Eu estava com fome.

Eu precisava de luz. Pelo menos uma chaminha suave pra passar creme de ricota nas torradas.

Então eu olhei pro Amor, quero dizer, pra vela.

Acender ou não acender?

Ah, é só uma vela – falou o fantasminha do lado esquerdo.

Mas é a vela do Amor – falou o fantasminha do lado direito.

Você vai queimar o Amor? – desafiou o lado direito.

Você vai ficar com fome no escuro? – perguntou o lado esquerdo.

Fiquei um tempo quietinha, olhando pro nada, o Amor ao lado. Impressionante como a cabeça da gente anda depressa quando o tempo anda devagar.

Cansada do breu, daquele papo de fantasmas e da dúvida sobre o Amor, decidi fugir de mim.

Risquei o fósforo. Acendi. E fiquei olhando a chama.

“Logo a luz volta e pronto, nem vai chegar a queimar o Amor”, pensei.

Daí os fantasmas todos gritaram.

Lado esquerdo, lado direito, um que parecia de centro e outro que estava aparentemente em dúvida (esse eu apelidei de Marina), todos queriam dar palpite. “Apaga“. ”Assopra“. ”Deixa disso“. ”É só uma vela“. ”Quanta bobagem“. ”As palavras têm poder“. ”Pelo menos não é a vela da Paz“. ”O Segredo“. ”É a chama da mudança“. ”Depois não reclama“…

Bla, bla, bla, bla.

Gente chata.

Aquela barulheira, a cera escorrendo e logo o pavio começou a se aproximar do Amor.

E nada da luz voltar.

O topo do A já estava comprometido, quando me refugiei num copo d´água. Duas torradas. Três torradas mastigadas no tempo da quase-escuridão e o Amor já estava semidestruído.

Simples assim. Uma chama fadada a se apagar.

Quer saber? Dane-se o Amor. Se a pirâmide tivesse alguma influência eu não estava aqui no escuro agora. Mas já vi que é do tipo que usa a palavra Amor em vão. Vela canalha. Merece queimar no fogo e morrer na escuridão.

O fato é que o primeiro Amor tava quase no fim quando, enfim, a luz voltou.

O segundo Amor sobreviveu. Intacto.

Por enquanto.

Faz mais de uma semana.

E ainda tem um lembrete na geladeira:

> comprar torradas

> e velas.

Sim, eu larguei tudo. E viajei.

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O Facebook hoje avisou. Há exatos 4 anos eu desembarcava em Londres. E depois em Cambridge. Com uma mala na mão, saldo do FGTS no cartão e medo de ter feito a maior besteira da vida.

“Tô velha pra isso”.

#vou_tecontar que eu tinha largado emprego, tinha pouca grana e uma dificuldade enorme pra entender o que aquela gente falava.

“WTF”?

Porque é nesse tipo de situação que a gente descobre que inglês intermediário no Brasil é analfabetismo funcional na Inglaterra. Nem o motorista de ônibus eu conseguia decifrar – aliás, especialmente o motorista de ônibus, ô pronúncia difícil.

“Precisa dessa batata na boca, me diz, precisa?”

Estranhei horrores, me perdi um monte, tive dor de barriga e chorei uns três dias.  Não gostei da escola de inglês, do professor indiano e da acomodação british. Era frio e cinza. Entrava aranha no meu quarto, a água tinha gosto doce, o fish parecia plástico e as chips nadavam no óleo.

“Socorro. Quero arroz, feijão e minha mãe”.

Mas eu não podia pegar um taxi e correr pra casa.

Uma semana depois eu conhecia os caminhos, tinha outro teacher, meia dúzia de amigos e trocava duas ou três palavras com o motorista. Fazia sol (simmmmm) e o clima era agradável (simmmmm).

“Até que isso é legal”.

Me encantei com os parques, os colleges, me entupi de doce e fast food, decifrei a timetable, fiz punting no Cam, mudei de endereço, bebia Evian, comia babybel no café da manhã, arranjei uma bike, visitei pubs, museus, restaurantes, vi Shakespeare, musical, peguei trem pra lá e pra cá, conheci gente de tudo quanto é lugar, fiz amigos de verdade, mil planos de viagem e estudei (um pouco).

“Upper Intermediate. Chá com leite e bolinhos in The Orchard”.

E enquanto a molecada se acabava nas compras eu convertia euros em passagens low cost.

“Essa bolsa aqui vale um voo pra Roma”.

Inglaterra, Holanda, Bélgica, Escócia, França, Itália, Espanha, Portugal.

Sim, eu viajei.

Fui muito bem tratada em Paris (juro), não curti pizza em Roma (prefiro de SP), curei sinusite com whisky em Edimburgo (where are you Nessie?), viajei num trem fantasma (pânico a cada estação), não senti o tal fedor nos canais de Veneza (teve gôndola), peguei ônibus que voa (Ryanair), rolei de rir nas ramblas (gordinha), não tirei foto na plataforma 9 ¾ (Harry Potter nãooooo), dividi quarto com 6 em Lisboa, com 4 em Amsterdã num hostel que ficava num bar e entrava marofa pela janela do banheiro.

“Advanced Level. I don’t want to leave anymore”.

Voltei pro Brasil meses depois. Com quatro quilos a mais, uma mala de roupas puídas, cutículas arregaçadas, machucados de bolhas nos pés, uns 30 euros no bolso e algumas das melhores lembranças da minha vida.

Fiquei sem grana e sem trabalho por um tempo. Sem compras, sem balada, sem manicure, sem quase porra nenhuma.

“Gorda, pobre, desempregada… em SP”.

Mas, sim, eu fui feliz.
E, sim, eu faria tudo outra vez.

E levaria uma mala ainda menor.
E viajaria ainda mais.

E mais.

Porque parecia a maior besteira, mas foi o melhor investimento da minha vida.

 


Foto: arquivo pessoal.

 

Um unicórnio, um panda e uma ararinha

Foi como se eu tivesse matado um unicórnio (mágico), um panda (bebê) e uma ararinha azul (solta na natureza). Tudo junto e misturado.

E enquanto eu #vou_tecontar, você pode clicar nessa trilha sonora aqui, ó:

Pois bem. Eu estava quase no cruzamento da Faria Lima com a Cidade Jardim e o trânsito fluía mais livre que o normal. Porque o bicho tava pegando nas Marginais e ninguém conseguia chegar até lá, sabe como é?

Mais ou menos nessa hora passou uma coisa terrível pela minha cabeça:

Hoje cedo eu tirei o lixo. Quando desci pra garagem, desci com o lixo. Mas eu desconfio que troquei as bolas. Que coloquei o lixo orgânico no latão do reciclável e o reciclável no latão do orgânico.

Caramba, potinho de iogurte pode ser reaproveitado. Mas casca de gengibre não.

E enquanto eu cruzava a Cidade Jardim, pensava no que tinha no meu lixo. Na cara de surpresa do coletador quando encontrasse um frasco de Pantene Pro-V com as cascas de banana do vizinho.

Pensei na raiva que ele me dedicaria sem ao menos me conhecer, sem saber que, poxa (!), foi sem querer. E, claro, o funcionário do prédio não iria perceber porque o funcionário do prédio nunca percebe nada (!).

Cogitei ligar pro zelador, sei lá, avisar. Nessa hora o meu celular tocou.

Eu não costumo atender o celular enquanto estou no volante. Mas dei uma espiada e o número terminava com 000. Podia ser uma pauta.

Não era a minha mãe e eu preciso de uma pauta.

Então eu peguei o telefone, mas eu tava com a mão ocupada, me atrapalhei e, ao invés de atender, eu desliguei na cara da pessoa.

Eu troquei o lixo e ainda desliguei na cara da minha pauta.

E nessa hora eu estava mais ou menos no cruzamento com a Juscelino. E enquanto eu colocava o celular de volta no console passei por cima de uma bandeirinha do Brasil.

Sim, atropelei. Ela voou de algum carro e num só instante estava debaixo do meu pneu dianteiro. Eu até tentei desviar, como tento desviar de pombas que me aparecem do nada. Mas não deu.

E como se não bastasse trocar o lixo, desligar na cara da pauta e atropelar a bandeirinha do Brasil eu ainda assustei um pedestre gordinho.

O farol fechou, eu estava pensando no meu lixo, na cara do coletador, na minha pauta perdida (podia ser a Globo) e na bandeirinha atropelada que eu ainda via pelo retrovisor. O farol fechou e eu brequei de repente, com pé – e fé – no ABS.

Talvez eu tivesse passado direto se não visse o pé do executivo gordinho já na faixa. Porque frear de repente pode ser tão arriscado quanto cruzar o farol vermelho (né?).

Mas olhei no retrovisor e não tinha ninguém logo atrás. E tinha um gordinho na frente. E eu já tinha atropelado a bandeirinha do Brasil. Então brequei. Mas assustei o homem. Ele puxou o pé, depressa, de volta pra calçada, branco feito papel não reciclado. Me desculpei, sorri amarelo e ele passou.

Se ele soubesse que eu troquei o lixo, perdi uma pauta, atropelei minha nação, me perdoaria.

Né?

Mas eu não me perdoei. Soltei um palavrão grandão, com vontade. No mesmo instante em que o moço bonito no carro ao lado olhava pra mim.

*&%+˜#$@!!!!!!!

Pois é, eu falei um palavrão terrível pro moço bonito da Pajero ao lado. Isso depois de destruir o meio ambiente, desligar na cara da Globo, humilhar meu país e quase assassinar o presidente de uma multinacional.

O moço do carro ao lado riu.

Eu também.

Porque, sabe, não vou carregar toda essa culpa.

Já tenho tantas.

E de quem é a culpa?

Da alta do dólar. Não, da Dilma. Quer dizer, do Temer. Ou melhor, do caos no transporte público, na saúde e educação.

Não, pera…

Meu telefone não toca mais

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E antes que você pense que eu sou a pessoa mais solitária desse mundo e role a página em busca de coisa mais interessante, #vou_tecontar que esse texto poderia ser seu também.

Me diz: seu telefone fixo… ainda toca?

Tô falando do bom e velho Graham Bell.

Por aqui, nem minha mãe me liga mais – agora ela manda whatsapp. E é daquelas não sabe usar direito o aplicativo. Do tipo que escreve “Oi” e some, vai fazer outra coisa. E me larga no vácuo. Ou então envia mensagem de madrugada perguntando se estou em casa. Tava dormindo.

Tava.

Esses dias decupei minha conta de telefone fixo. Eu mesma fiz três ligações no mês. Pra vovó. Só. Deduzi que tô rasgando dinheiro com a porcaria da franquia da NET. Porque a vovó tem Facebook. E usa o inbox com desenvoltura.

Semanas atrás aconteceu. Eu tava quase de saída pro trabalho quando o telefone tocou. Levei um sustinho e três segundos pra lembrar que aquele som pouco familiar significava alguém ligando. Seria uma emergência na família?

Nada. Telemarketing.

É batata: se o telefone toca de manhã pode apostar que é uma mocinha “querendo estar te vendendo” alguma coisa à moda antiga. Mas até isso tá virando raridade.

A última vez que o fixo tocou em casa e era MESMO pra mim foi a secretária da dermatologista querendo confirmar a consulta. Coisa de dois meses atrás.

O fato é que nem a turma de Bangu me liga. Do presídio, sabe? Pois é. Eu que sempre tinha uma resposta pronta pra dar, nunca mais xinguei ninguém (na linha). O meu clássico era atender aquela moça que gritava “Mãe, socorro, me ajuda, mãe, me pegaram!”. E eu dizia “Vai pro inferno porque não tenho filha com essa voz desafinada”.

Nunca mais.

O celular ainda toca – quando não fica no silencioso. Toca aquele barulhinho do whatsapp, das mensagens do inbox. E tem o plim do SMS… de vez em quando – e cada vez menos. Geralmente é o Itaú avisando da compra autorizada, mandando o IToken, ou então a Vivo com o código da fatura ou avisando “o uso do Vivo internet está perto de atingir o limite…”.
Outro dia fui até assediada por uma mensagem de texto. Da Claro.

É.

Passeios, convites, jantares, cineminhas, festinhas, novidades dos amigos, da família, tudo agora é conversado por whatsapp. Em grande volume de dados. Maravilha da tecnologia. Fato.

Mas vamos combinar: sem a emoção das oscilações no tom de voz. E sujeito ao tédio eterno do emoticon mal empregado.

Pensa só: a sedução de uma voz rouca te chamando pra sair perdeu espaço pra convite-clichê com erro de concordância.

Em contrapartida, com direito à ilustração, mapa e trilha sonora. Streaming lovers!

Onde será que habita hoje aquela ansiedade pelo toque de um telefone tradicional?

Em dois tracinhos ao lado da mensagem? Nos três pontinhos na caixa de um texto em produção do outro lado da tela? E a raiva do tom de ocupado, pra onde foi? Porque não existe mais ocupado. Existe “fora de área” ou “sem bateria”.

E assim o coração pulou da boca pra ponta do dedo.
Agora é coração touch o coração da gente.

A verdade é que ninguém mais gasta o real da ligação. Nem quando é grátis pra mesma operadora. Telefonema tradicional parece que não cabe mais na vida pessoal.

Ah, mas o whatsapp tem a função de voz.

E aqui preciso explicar que escrevi esse texto antes de existir a função de ligação pelo whatsapp. Nova maravilha da tecnologia que cai em três a cada três tentativas, mas que eu já amo de paixão.

Tem. WhatsApp tem função de voz. Só que é meio que função monólogo, né? Não permite interrupção da frase, não permite um “uhum” do outro no meio da história, uma risada, um suspiro, uma interjeição, o bom e velho “não me diga!”. Sem falar no risco de alguém ao lado escutar (e editar) a bobagem da vez. Porque 80% das mensagens de voz são besteiras para alegrar o dia, né?

Agora, se o papo é grave, oceânico, importante, saudoso ou uma DR, ufa, temos o Skype e o Facetime. O olho no olho virtual. E abaixo o interurbano!

Outro dia eu tava num restaurante com uma amiga e ela teclava com um prospect arrebanhado no Tinder. Do cardápio virtual pro cardápio real, eis que a menina me arregalou os olhos desse tamanho quando o moço mandou um “Posso te ligar?” Viva, um rapaz à moda antiga! Quase brindamos a isso. Ele ganhou pontos, marcou um date e já tem o meu voto. Defendo que ligação não tem nada a ver com intenção, mas desconfio até que é candidato a dividir com ela o combo da net (e aqui faço uma homenagem).

Não, eu não tenho nada contra as mensagens de texto. Ao contrário, sou usuária assídua.

Só bateu uma nostalgia hoje. De construir imagens a partir do som de uma voz no ouvido. De olhar pro céu e não pra tela enquanto escuto uma história.

Mas, quer saber? Tô achando é que vou cancelar o telefone fixo.

Só vou esperar passar o aniversário porque… né?
Vai que!

 


Imagem: singletrackworld.com

 

Você conhece a Juvailde?

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Provavelmente não.

Então eu #vou_tecontar: a Juvailde é analista da Vivo.

Mas antes que a empresa entre em contato para me questionar, já vou_teavisar: aconteceu no ano passado.

Como eu ia dizendo, a Juvailde é analista da Vivo. E eu fiquei impressionada com a agilidade da Vivo (ou da Juvailde).

É que a analista Juvailde (ou a Vivo) acaba de me responder um e-mail que enviei pelo Fale Conoscoem 4 de maio (de 2014). Sim, o Fale Conosco, aquele canal de contato que promete resposta em “até” 5 dias.

A Juvailde (ou a Vivo) me chama de Maria Ligia, pede desculpas pelo atraso, diz que tá à disposição e sugere que eu acesse o site, pois lá tem todas as informações de que necessito.

Sim, veja só, o mesmo site que consultei sem sucesso em 4 de maio (de 2014) e no qual acessei oFale Conosco porque não consegui resolver meu problema.

E porque até tentei antes resolver por telefone, mas após 15 minutos de espera a atendente (ou a Vivo ou a Juvailde) desligou na minha cara.

Deve ter caído a ligação, eu que interpretei mal, né?

Então como não me impressionar hoje, dia 3 de junho (de 2014), com a qualidade e a boa fé do atendimento da Vivo (ou da Juvailde)?

E como não admirar a Juvailde (ou a Vivo) que, embora me chame de Maria Ligia, esteja quase um mês atrasada e me recomende um site que não me ajuda, está, veja só, “à disposição”?!!

E eu me pergunto:

Quantas pessoas ainda terão a chance de verem suas vidas transformadas pela analista Juvailde? Quem são os brasileiros que, como eu, também se emocionam ao receber um e-mail diferenciado da Vivo? E com o fato dessa gigante da telefonia, a Vivo da Juvailde, ter nos conectado emocionalmente com a pequena analista Juvailde da Vivo? E por termos tido a oportunidade de vivenciar o padrão Vivo (ou Juvailde) de atendimento?

Não, não vai passar no Globo Repórter.

Mas eu quero muito eleger a Juvailde funcionária do mês!

Totalmente afinada com a Vivo em que trabalha. São um só coração! Praticamente a mesma pessoa, física e jurídica. A Juvailde da Vivo e a Vivo da Juvailde.

As duas não ajudam a Maria Ligia em porra nenhuma!

Por isso hoje eu vou batizar a pequena boneca da caixinha de costura. Aquela com cara de vudu, em que as agulhas ficam espetadas.

Ela vai se chamar, adivinhe?

Juvailde.

 


Foto: arquivo pessoal.

 

O homem das flores – parte I

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“Se eu chegasse cinco minutos antes”.

Ah, essa tal condicional!

Por cinco minutos eu já perdi trem, compromisso e alguém. E por cinco minutos ontem eu persegui um homem, digo, umas flores, quero dizer, o mistério do homem das flores.

Tá, eu #vou_tecontar

Era uma vez o mês passado, uma segunda ou terça-feira.

Saí do trabalho no horário habitual, apressada pra não perder meu compromisso habitual. Tudo exatamente como habitual. Até a parada no farol – que sempre fecha na minha vez. Aquela olhadinha em volta – habitual – e vi passar um homem jovem, com um maço de flores na mão, que ele carregava de um jeito meio sem jeito. Tava na cara, flores pra ele não eram coisa habitual. O homem atravessou a rua, o farol abriu, a vida seguiu.

Na semana seguinte a cena se repetiu. Horário habitual, farol habitual e, ora, ora, outro homem com flores. Eram outras flores. Só que era o mesmo homem.

Será?

Achei que sim. Mas certeza só tive uma semana depois, com flores do campo. E aquele homem entrou pro meu cenário habitual.

O que o levaria a fazer tudo sempre igual?

Pergunta errada. Eu também faço meu igual. Mas meu igual não tem flores, quer dizer, passou a ter, as flores dele, aliás,

flores de quem?

No habitual seguinte, eram tulipas. Seriam pra esposa? Terreiro? Avó doente? Decoração de ambiente?

Eu precisava entender o habitual daquele homem, digo, daquelas flores. E fiz um plano:

“Se eu chegasse cinco minutos antes”.

Se eu chegasse cinco minutos antes poderia dobrar a esquina, estacionar o carro na garagem de casa e andar até onde ele comprava as flores. E ele estaria em sua rotina habitual, escolhendo, comprando, pagando.

Era isso.

No dia seguinte saí do habitual, digo, do trabalho cinco minutos antes. Mas o trânsito atrapalhou, perdi a condicional, perdi as flores, o plano falhou.

Passou.

Semana passada o habitual me mostrou flores do campo e um homem mais à vontade com aquele pacote. Ele atravessou a rua, o farol abriu, mas a vida não seguiu.

Até ontem.

Ontem não usei a condicional e não saí cinco minutos antes. Ontem o trabalho atrapalhou e saí uns cinco minutos depois. Ontem o trânsito estava melhor do que o habitual e chegou o dia em que eu cheguei cinco minutos antes. Eu virei a esquina, estacionei o carro na garagem e andei até o local das flores.

Lá estava ele.

Lá estavam elas.

Eram margaridas.

Fiquei ali como quem escolhe um vasinho. Escutei a vendedora perguntar se “ela” gostou das flores da semana passada e ele dizer “sim”. E só. Sem mais.

Então arrisquei: “às vezes te vejo passando com flores”.

Na verdade eu queria dizer “toda semana te vejo passando com flores, no mesmo horário, no mesmo lugar, então me fala logo o que isso significa ou eu não vou conseguir dormir essa noite”.

Mas eu não queria parecer a maníaca das flores, né? Eu não queria asssustar o homem das flores.

E ele sorriu.

E, sim, ele contou.

Há um mês, toda semana, ele leva flores pra mulher. Há um mês ela sofreu um acidente. Há um mês não foi só o susto. Há um mês ela perdeu o bebê.

Não vou explorar o drama do homem das flores, mas naquela noite do acidente a mulher esperava por ele. Ele estava atrasado.

Então eu entendi que as flores não eram só pra ela. Eram pra ele também.

E antes de seguir o trajeto habitual, com o maço de flores na mão, ele disse uma coisa sobre aquele dia que não lhe sai da cabeça:

– “Se eu chegasse cinco minutos antes”.

Então ontem eu saí do habitual.

Ontem eu comprei flores.

 

 

Quer saber a segunda parte dessa história? Acesse: 

http://voutecontar.blog.br/o-homem-das-flores-parte-ii/

 


Foto: arquivo pessoal (obra do Bansky).

 

Melancia

Manhã de domingo em Pinheiros.

E enquanto eu #vou_tecontar você pode clicar nessa trilha sonora aqui:

 

O moço subia a Fradique Coutinho. Carregava uma ecobag com as compras do dia. Moço bonito – e sustentável. Óculos de sol, camiseta bem humorada.

Eu cruzava pro lado oposto da calçada, não notei se foi o celular que tocou, mas ele se atrapalhou tentando pegar alguma coisa no bolso. Foi tudo muito rápido e só vi uma melancia descendo a ladeirinha.

Sim, pulou da sacola.

Daquelas melancias pequenas, sem caroço, sabe?

Rolou.

A mulher logo atrás desviou. Um cachorro assustou e latiu – queria correr atrás da bola grande e quase arrastou a dona senhorinha pela coleira.

Um homem próximo à esquina tentou agarrar a dita, que escapuliu sem cerimônia.

O moço da ecobag, com o celular na mão, meio que corria, meio que segurava a sacola, sem tirar o olho do trajeto da fruta.

Acho que o bairro parou nessa hora.

Fatalmente a melancia baby ia cruzar a Artur de Azevedo. Farol aberto. Se sobrevivesse, talvez parasse na boca do bueiro.

Pois, que ventura, atravessou!…

E quando invadiu a ciclofaixa, vinha vindo uma bike.

Melancia cinematográfica.

Não é sobre sapatos

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Eu tinha quatro ou cinco anos. E ganhava um sapato vermelho de presente. Era um modelo boneca, confortável, de um vermelho forte e acabamento que parecia um verniz suave. O fecho prendia a tira no terceiro furinho.

#vou_tecontar que era a coisa mais linda o meu sapato vermelho.

Fazia toc toc quando eu caminhava. E enquanto eu andava pra lá e pra cá no chão de madeira pra escutar a música do meu sapato, abri os olhos. O quarto estava cinza e era de manhã. Fechei de novo pra procurar o sapato vermelho e não achei. Pulei da cama, abri o armário da direita e meus olhos ansiosos vasculharam o cantinho inferior.

O tênis branco e azul da escola estava lá. A sandália branca de couro macio também. E os chinelinhos. Mas sapato vermelho não tinha ali. Nem de luz acesa, nem de luz apagada.

E assim eu entendi que era sonho. Eu perdi o meu sapato vermelho e eu só tinha quatro ou cinco anos.

Por muito tempo eu pensei naquele sapato.

Aos dezenove comprei um all star vermelho. Era o meu predileto, tenho até hoje. Aos vinte e dois achei um modelo similar, mas era verde. Comprei uma meia vermelha e usei a dupla até cansar. Aos trinta, cada vez que eu entrava numa loja era o vermelho que eu procurava. Teve uma vez que vi um parecido, mas não encaixou no meu sonho, não era o meu número.

Ano passado, pela primeira vez bati o olho num sapato vermelho que não era tênis, que não era verde e que serviu. Eu gostei, é arredondado, dá conforto. Fiz o sapato caber no meu sonho por R$ 139,90. Eu adoro o meu sapato vermelho.

Só que é vermelho, mas não tem fecho. É vermelho, mas não tem música esse sapato.

Talvez eu nunca tenha um sapato vermelho com fecho, com terceiro furinho e com música.

Porque eu só tinha quatro ou cinco anos.

E quando se tem quatro ou cinco anos a gente pode sonhar qualquer coisa.

 


Imagem: huffingtonpost.com

 

Briga de casal

Aconteceu uma coisa desagradável.

Uma briga de casal.

E enquanto eu #vou_tecontar você pode clicar nessa trilha sonora aqui:

Tudo começou porque a minha geladeira estava vazia. O que por si só já é desagradável – e geralmente acontece de segunda a sexta e se repete sábado e domingo.

Pra quem se comoveu, doações podem ser combinadas por e-mail.

Mas o fato é que eu saí pra comprar o jantar. Quando abri o portão, tinha um moço engomado do lado de fora.

– Você vai entrar? (perguntei, gentil, segurando o portão)

– Ah, sim, é que estou… esperando a minha namorada. (ele pronunciou “mi-nha-na-mo-ra-da” em alto e bom som, saboreando cada vogal e consoante) 

Ou seja, namoro novo.

Eu quis ser legal, tava frio, deixei ele entrar:

– Então vai lá. (sorri)

E acho que ele levou ao pé da letra.

Enfim.

Eu fui num pé e voltei no outro. Quando abri o portão na volta, jantar na mão, trombei com um rapaz (outro) que saía apressado, todo mal educado. Entrei no elevador e, conforme subia, entre o segundo e o sétimo andar, escutei o eco de um quebra-pau. Daqueles.

Da-que-les!

Daí fui juntando palavras soltas: “Não acredito”, “você fez isso”, “um cara”, “sua casa”, “te esperando”, “sou idiota”, “#@$/&*”.

Paca, maca, caca, não… foi “vaca” mesmo.

É.

Daí deduzi o resto. Ou o possível resto. Ou seja, tudo o que aconteceu nos minutos entre a chegada do moço engomado e a briga. Entre um pé e outro da compra do meu jantar.

Possível versão: o engomado novo chega inesperadamente porque alguém-EU abre o portão pra ele. Ele sobe e encontra o “outro” lá, na casa dela. Azedou. (detalhes sórdidos por sua conta)

Mas tô até agora tentando criar outra versão. Uma versão em que eu não me sinta… culpada.

Tipo: coincidência.

O casal da briga na verdade é outro casal, num dia de fúria, e não tem nada a ver com o moço engomado do portão. E o rapaz que eu vi sair é só o irmão mal humorado da vizinha chata do nono andar. Porque ela tem mesmo cara de quem tem um irmão mala.

Ou então: um engano.

O engomado deduziu um flagra que não existiu, pois se tratavam apenas de dois bons grandes amigos de infância se abraçando em despedida.

Pode ser!
Não pode? …

Certeza?

Poxa, gente, eu abri o portão.
Eu disse: “vai lá”.
E ele foi.

Seria razoável dizer que o problema todo foi… a geladeira?

Agora não sei.
Mando flores pra vizinha?
Dou um abraço?
Bolo de chocolate?

Não consigo parar de pensar no moço engomado no portão.
Articulando com fé e orgulho:

“mi-nha-na-mo-ra-da”.

Pena.