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O kit férias coletivas e a pobre criança que vem aí

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Litoral de São Paulo, 26 de dezembro de 2015.

A cadeira listrada, o protetor 70, o chapéu vermelho, o livro da vez e eu. Tem sol, ventinho, uns 35 graus, o kit férias coletivas e um sonho: o silêncio.

Por “kit férias coletivas” entende-se: gritos de olha o camarão e cerveja geladinha, pagode à esquerda e samba à direita (mas também pode ser o contrário), o homem-aranha do algodão doce, crianças, seus baldinhos, choros e chiliques. Um salva-vidas blasé mirando o além-mar, comidas pulando pra fora de isopores – com dimensões e indulgências variadas.

E é bom eu parar de listar, senão já pego o meu livrinho e saio de fininho.

As conversas paralelas no entorno atravessam a narração do anti-herói do meu livro. Ele está em Madri, eu em Santos. Ainda que exista todo um oceano entre nós, as palavras começam a se misturar e tenho que voltar um ou dois parágrafos uma ou duas vezes. Procuro o fone de ouvido, mas percebo que esqueci.

“Olha, vou te dizer, se meu filho tiver metade – digo metade, nem precisa ser 50% – da inteligência da minha mulher, se ele tiver metade eu já tô feliz. Não que eu seja um cara burro. Não. Mas eu sou preguiçoso e tal. Agora a feição vai ser minha. Porque eu sou um cara bonito”.

Não, não é do livro. Claro.
E depois disso eu tive que virar pra dar uma espiada. Claro.

A mulher, grávida, tentava insistentemente fazer um buraco na areia pro guarda-sol. O homem, sentado na cadeira, cerveja na mão, conversava com a colega, de boa na lagoa.

Pobre criança.

Porque 2016 será fruto de 2015.

Né?

Pois é.

Cena final: guarda-sol sai voando e atropelando as crianças ao lado. Aquelas que provavelmente são frutos de 2011, 2012, 2013 e 2014.
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E viva o verão.

O dia em que ele foi embora

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Foram 17 dias intensos. Acordando, tomando café-da-manhã, almoçando, jantando, dormindo… tudo juntos. Até que chegou o momento inevitável. O dia em que ele pegou um avião, cruzou o atlântico e voltou pra casa. Dele.

E #vou_tecontar que então tudo virou silêncio. Um só pote de sucrilhos na mesa. Nada de toalha molhada em cima da cama. Ninguém pra disputar a coberta. Ou pra conversar enquanto o sono não vem.

A casa estava vazia. Dela.

E esvaziou-se como uma atração turística após o expediente. Como um museu de grandes novidades depois que os visitantes vão embora. Como um palco quando terminam os aplausos, as luzes se apagam e alguém bate a porta.

Estava mais sozinha do que sempre. Mais esgotada do que a Cantareira. Mais na ressaca que no seu maior porre. Mais loser que aquele funcionário que sempre fecha a firma bem depois do expediente – porque não consegue dar conta no tempo regulamentar.

Era o fim.
Das férias.
Dele.

Um desfecho esperado, afinal, era paixão de verão. Era verão no hemisfério norte. E talvez eles nunca mais se verão. Talvez estejam condenados a viver como um trocadilho infame, que não se pode repetir porque soa mal. Como uma bota que não combina com o cinto e faz o look ruim.

Três da tarde. Hora de levantar, reagir, seguir em frente. Afinal, foram 17 dias e não 17 anos.

Uma rápida limpeza na casa, um breve surto de arrumação. Ela sempre acreditou que a organização também pode acontecer de fora pra dentro. Gavetas em ordem são um ponto de partida pra cabeça no lugar.

Lista de compras na mão, seguiu pro mercado. Na fila, viu que a moça do caixa conversava com um homem. Pareciam não se entender, ela estava contrariada. “Te pego na saída e acertamos os detalhes”, ele avisou.

Torrada, ricota, suco de caixinha, sucrilhos, capuccino. Cada item se arrastava na esteira lentamente, com o mesmo peso e preguiça que ela foi de casa pro mercado; como a moça do caixa passando os produtos vagarosamente pelo leitor do código de barras.

Opa, passou o mesmo produto duas vezes. Para tudo, chama a gerente, cancela, continua. A moça do caixa parecia abalada.

Estaria tão triste quanto ela?
E nesse caso a ordem das pessoas não altera a pergunta.

R$ 87,90. CPF na nota? Pagamento no débito. Ah, digitou crédito. Começa de novo.

“Desculpa, moça. É que tem dias que a vida pessoal interfere no trabalho da gente”, falou a caixa, cabisbaixa.

“E eu não sei?”, respondeu ela, errando a senha.

Nesse instante se olharam.

“É que ele terminou comigo, depois de 17 anos pediu o divórcio”, revelou a caixa, num suspiro.

E então escorreu uma lágrima.
De uma.
E de outra.

Se encontraram num choro triste e doloroso. Ali, bem no caixa do mercado, numa quarta-feira de inverno qualquer.

Constrangida, pensou em colocar os óculos escuros pra evitar que outros clientes vissem o pranto. Mas achou que seria indelicado com a moça do caixa. Deixá-la chorando sozinha nesse dia tão difícil. Afinal, foram 17 anos e não 17 dias.

“São R$ 87,90”, repetiu a caixa, engolindo o choro, o nariz vermelho.

Transação aprovada.

“Posso te dar um abraço?”

A caixa assentiu. Solidárias, se despediram entre ecobags.

E já na volta pra casa é que se deu conta. Nem perguntou o nome dela.

Mas tudo bem. Logo mais será verão no hemisfério sul.

Aguardem.

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E enquanto o dia dela não chega, te deixo com esse vídeo aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=589U59Ofaok&feature=youtu.be

 


Foto: Aline Filócomo.