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Meu coração em câmera lenta

Manhã de quarta-feira, 26 de agosto de 2015. #vou_tecontar que a trilha de hoje tá aqui:

https://youtu.be/LS_AhzPVn-U

Senhora, esse exame aqui o seu convênio não cobre. Está bem, farei os outros. São 21, portanto. Só aguardar, vão chamar pelo nome. Obrigada. Senhora Maria Rebello. Eu? A senhora é Maria Rebello? Não. Sim. Quer dizer, sou. Documento e protocolo, por favor. Pode sentar. Sou eu, viu? Como se alguém quisesse tomar o meu lugar aqui. Jejum de 12 a 14 horas? Sim, 13. Confere o nome e data de nascimento nos tubinhos, por favor. Um, dois, três… nove. Ok. A tiazinha de óculos e cabelos brancos derrubou um negócio, se atrapalhou com a luva – a luva era azul, eu nunca tinha visto luva azul no laboratório, conferiu o papel, o tubinho, o papel de novo. São dez etiquetas e nove tubinhos, tem alguma coisa errada. Olhou, olhou de novo, olhou outra vez. Pensei em oferecer ajuda, mas ela pediu pra aguardar e foi lá dentro verificar. Respondi um e-mail. Ela voltou. Estava mesmo faltando um. Nossa, que bom que você viu. Legal, a tiazinha era atrapalhada, mas cuidadosa, ponto pra ela. Eu não ia querer voltar por causa de um tubinho, uma etiqueta, uma ferritina qualquer. Botou o apoio. Coloca o braço aqui. Virou o apoio. Assim é melhor. Colocou um elástico, apertou o elástico, tá bom assim? Deu batidinhas na veia. Tinha todo o tempo do mundo. Abre e fecha a mão. Assim. Agora deixa aberta. Colocou a outra luva, se atrapalhou com a luva azul, respirou, procurou alguma coisa. Pegou uma agulha, devolveu, pegou outra. Caramba, essa tia sabe mesmo o que tá fazendo? Agora uma picadinha. Leve, de leve. Legal, a tiazinha é confusa mas tem mão leve. As aparências enganam. Vai demorar um pouquinho, tá? Tá, né. Um tubinho, dois tubinhos. Que sangue lerdo. Troca o tubinho, afunda a agulhinha. Uma eternidade e ainda o quarto tubinho. Gente, nunca vi uma coleta tão devagar. Olhei pra porta, respirei. Quinto tubinho, esse era maior. A cada troca de tubinho uma pontadinha e logo perdi a conta. Silêncio. Escutei meus batimentos. Lentos. Vamos distrair que passa mais rápido, né? Pensei no trabalho esperando, no que teria pro almoço, na ligação perdida e, putz, esqueci de tirar o lixo. Esquentamento, ofegância, mas não por causa do lixo ou da geladeira vazia. Falta muito?, pensei. Falta muito?, perguntei. Não, falta só um depois desse, você está bem? Sim. Não. Quer dizer, pode acabar logo? Não tô me sentindo muito bem. Merda, só me faltava essa. Suadouro. Zonzeira. Frio, calor e a tia abre a porta. Chama o Mauro. A pressão dela caiu. Burburinho, luz que vai, luz que vem. Alguém aperta minha nuca. Levanta a cabeça dela. Pano molhado. Estica a perna. Os lábios estão brancos. Tiro o casaco. Você quer uma bolachinha? Você está sozinha? Oi, fala comigo. Não. Sim. Posso deitar um pouquinho? Pluft.
Alguém me carregou. Acordei deitada numa sala e vi uns flashes. O Mauro do lado, um copo d´água. Você está melhor? Sua pressão caiu, foi muito tempo em jejum e bastante sangue pra tirar. Sim, obrigada, desculpe, obrigada, quer dizer, lamento, poxa, obrigada, “isso nunca me aconteceu antes”, tá é mentira, mas não é rotina. Imagina, isso acontece, é normal, vc está um pouco fraca, pode ser anemia, mas vai passar, quer uma bolachinha salgada? Tem lasanha, Mauro? Brincadeira, obrigada, desculpe. Vou nessa, tchau.

E o que ficou foi um enjoo.

De laboratório.

#vou_tecontar, pra mim já deu.

Vento nos cabelos

#vou_tecontar que esse é baseado em fatos (sur)reais.

Aeroporto de Congonhas, SP.

Ela chegou cedo. Check in feito, faltava mais de hora pro voo levantar.
Inquietação nos cabelos.
Não parava com as pernas, mas também já não andava direito.

Livraria, café, farmácia. Anador, Dramin, Rivotril.

Tinha perdido o rumo, o caminho de casa (e a casa), a linha do Equador, tinha perdido era o equilíbrio.

Um mês antes, festa, bolo, bem casado, cabelos compridos, cócegas no nariz, buquê nos ares e assinatura no papel.
Tudo dentro do figurino consensual.
Com firma reconhecida e marcha nupcial.

Escada rolante abaixo, banheiro e café (duplo) amargo – outro.

No dia seguinte, bom dia pra quem?, “eu sou miseravelmente infeliz”.
Dissonância nos ouvidos. Punhaladas na alma. E um ardor na profundeza das entranhas reviradas.
Porre de karma, ressaca existencial.

Água, bomboniere e nada de voo confirmado. Quem foi que disse que o tempo voa, hein?

Acabou, fim. “Você fica com a máquina de lavar e eu fico com a geladeira”. Simples assim.
Deleta as nossas fotos e trata de construir outras histórias. Como assim?
De renda francesa foi ao chão. A menina dos olhos virou o olho do furacão.

Duas trufas e, gente, que enjoo. Água na cara e que cara é essa no espelho do banheiro?
Já não tinha mais lágrima pra derrubar. Não tinha bem-me-quer mais pra querer voltar.

Passou pela barbearia, entraria de novo na livraria?
Passo atrás. Inquietação nos cabelos.
Porta adentro da barbearia. Dava tempo.

“Ah, não, isso eu não faço não, moça”.
Não bastava ter a alma em frangalho, o barbeiro também não queria trabalho?

Veio uma voz lá do fundo:

“Senta aí, minha filha. Deixa eu ver esses cabelos. É motivo de doença?”

– Não, de divórcio.
“E tu quer com emoção ou sem?”
– Com.
“Então aperta o cinto”.

Da testa pra nuca a máquina derrubou a inquietação por um instante.
Embarque imediato.
É hora de voar. Outra vez.

Porque cabelo brota feito planta n´alma.
E vai crescer mais brilhoso.
Mais forte e corajoso.

Pra balançar numa outra ventania.

E no fim de tudo,
Passado tudo,
Só resta é rir disso tudo.


E agora que eu já te contei, sugiro clicar nesse vídeo aqui. 😉 Aposto que vai fazer toda a diferença, ó:

Vídeo original: Cena Hum – www.cenahum.com.br
Agradecimento: Airen Wormhoudt, pela interpretação inesquecível. :p

Tiozinho do milho

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– Espera!, gritou a criança de uns 3 anos pro tiozinho do milho.
Ele esperou.
– Volta!, ela ordenou.
Ele manobrou o carrinho pra voltar e… tombou. Tombou pra frente. Levantou e… de novo foi ao chão.

Milho com areia.
Areia com Claybom.
Engavetamento de espigas.
Esparramamento de colheres.

#vou_tecontar que foi uma comoção.

Rapidamente umas seis pessoas se apresentaram pro resgate. Assumi o posto de recolher espigas.

O tiozinho do milho “concorrente” e o senhorzinho do mate com abacaxi foram ágeis. Experientes na labuta, botaram tudo no jeito e novos milhos na panela em menos de 15 minutos, sem abandonar seus próprios clientes.

Chamaram também a esposa do tiozinho acidentado, que tem um histórico de problemas de saúde, mas “teima” em seguir trabalhando de sol a sol. “Alguém tem que tomar uma providência”.

Areia limpa, carrinho pronto, vida que segue.

Sim, existe solidariedade no litoral de SP. E vou dizer que os ambulantes deixam a areia mais limpa do que a maioria dos turistas.

A criança?

Negociou rapidamente com a mãe a troca do milho por um pastel de queijo e assistiu tudo de camarote. De barriguinha cheia na sombra de sua barraca gigante. Rodeada de embalagens de suco e pacotes de salgadinho – de milho.

16h56.

 


Foto: br.freepik.com

 

– Nina, é Você?

Uma das peculiaridades da praia do paulista é escutar a conversa alheia, tamanha a proximidade entre guarda-sóis.

Mas e quando o assunto é VOCÊ?

#vou_tecontar como foi e sugiro vc clicar nessa trilha aqui pra acompanhar (coloca baixinho pra não dar interferência, tá?):

Voltando pra areia, estava eu bem quietinha num dia encalorado, quando…

– Tio, tá vendo essa garota aí do lado? Não é aquela menina que faz novela?

– Qual, a branquela do chapéu?

– É! Não é?

– Não sei, não dá pra ver direito.

– Acho que é, Tio. É sim!

Começaram a me observar ostensivamente.

– Mas qual novela, Marcelo?

– Aquela que fez a Nina, da Carminha.

– Será?

O garoto foi pegar um sorvete e voltou.

– Mãe, vê se não é aquela da novela aí do lado. Vê!

– Não sei, Marcelo. Mas pode ser, né? Artista gosta de andar de óculos e chapéu grande pra esconder a cara. Tudo branquela e esquisita por causa da televisão.

 Oi, oi, oi??

– Vou perguntar.

– Vai nada, Marcelo, deixa a menina em paz.

– Psiu, Nina! É você?

Fingi que não era comigo, até porque, caramba, não era!

– Vai ver é gringa, nem vai entender nada do que você falar, Marcelo.

– Mas, Tio, eu acho que é.

– Tem jeito de argentina.

– Eu acho que é a Nina, sim.

O menino passou do meu lado três vezes, até que não se aguentou.

– Moça, você é a Nina?

Eu: Nina?

– Sim, da novela da Carminha.

Eu: Seu Tio, que tá ali, é o Zeca Pagodinho?

– Não. Por quê?

– Porque se ele for o Zeca Pagodinho eu sou a Nina.

Sim, eu sofri “pré-conceito” nas areias de SP.

Pô! Fui chamada de branquela, esquisita e argentina em menos de quarenta minutos. Isso porque tô relativamente bronzeada, tenho uns 98cm de quadril e nunca peguei o Murilo Benício. :\

O homem das flores – parte II

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Não era dia nem horário. Nem cinco minutos antes, nem cinco minutos depois.

Fora do habitual,  #vou_tecontar que ontem eu reencontrei o homem das flores. Da historinha que já te falei aqui.

E, não, ontem ele não carregava flores.
Comprava um brownie, um abacate e uma apetitosa torta de morango.

Ele sorriu.

Contou que agora a mulher enjoa com o cheiro das flores.
Mas deseja brownie, abacate e torta de morango.

Há 4 semanas sem flores.
Sem condicional.

O ex-homem das flores se chama Ricardo.
E Ricardo vai ser pai.

*

E eu dormi pensando…
na torta de morango.

 


Foto: arquivo pessoal (obra do Bansky).

 

Livre arbítrio

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– Lília, vai ter treinamento de incêndio e simulação de evacuação do prédio hoje. O alarme vai soar às 15h30.
– Tenho um texto pra terminar. Posso escolher morrer no incêndio? Livre arbítrio.
– Não pode. Todos vão ter que descer pela escada, sem levar nada. Poderemos voltar umas 17h30.
– 13o andar, cara, eu tô de salto. Posso me esconder na salinha escura do ar-condicionado que fica dentro do banheiro feminino?
– Não pode ficar ninguém mesmo. Os bombeiros vão entrar e vasculhar tudo, inclusive lá.

– Ah, tudo bem, eu espero o bombeiro lá dentro.

(silêncio)

– Tá bom, vai… vou lá pra Starbucks. Tem wi-fi.

 


Foto: arquivo pessoal.

 

P Size no Provador

 

Eu precisava comprar um presente. 
Decidi aproveitar o horário do almoço e o shopping Vila Olímpia era a minha única opção. Encarei.

E enquanto eu #vou_tecontar, você pode clicar nessa trilha aqui, ó:

Eu fui certeira numa loja conhecida e, enquanto esperava a vendedora checar se tinha a bolsinha que eu queria no estoque, fiquei num cantinho.
 Baita movimento. Fila no provador, tititi no corredor.
 
Existe alguma pesquisa que aponta se as mulheres compram mais na hora do almoço? Ou já é Natal? Crise, que crise?
 
Entre uma enxurrada de cabides, vozes e sacolas, vi que as vendedoras tentavam resolver o congestionamento no provador. Uma delas passava de um por um perguntando se tava “tudo bem”, botando uma pressão na mulherada, enquanto a colega ia chamando a fila conforme as cabines liberavam. 
 
Na última cabine, uma mulher em dúvida:
 
Vendedora – Ah, essa blusa é lindaaaaaaa!
 
Cliente – Não sei, ficou meio esquisita aqui do lado, tá vendo? Tá marcando muito a barriga.
 
Vendedora – Vamos combinar que o esquisito aí não é a blusa, né, meu bem? Ela é perfeita. Mas nada que muita fé e uma boa academia não resolvam, né?
 
Nessa hora ecoaram entre as vendedoras risinhos e comentários tipo “essa é boa”, “academia”…  Em um minuto a mulher saiu do provador, deixou a peça e foi embora em silêncio. A fila andou. 

 
Pedi pra provar uma blusa igual, tamanho P.
 Vesti, abri o provador e a vendedora veio correndo.
 
Vendedora – Aí sim, está perfeita em você!
 
Eu – Será?
 
Vendedora – Claro, você é magra. Não como alguém de 100 Kg que acha que pode vestir bem.
 
Eu – Não é verdade. Olha aqui, tem um problema de caimento e repuxa do lado, tá vendo? E essa falha, meu bem, não tem academia que resolva. Entendeu?
 
Vendedora – Então você vai levar a bolsinha verde?
 (sorrindo amarelo, na porta do provador)
 
Eu – Não. Eu me enganei de LOJA.

Precisava!!


Esse fato aconteceu em 2015. Por coincidência outro dia passei por lá e vi que a loja não existe mais. Pois é.

Eu só queria a minha Colgate

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E #vou_tecontar que não é merchan, é verdade.

Passada a meia-noite de um dia longo, do tipo que vira outro sem nem terminar. Momento “agiliza”, toma remédio, escova os dentes e desmaia até o sol raiar, ou o despertador tocar.

Pois queria.

Já meio de olhinhos fechando botei a Colgate Sensitive pra trabalhar.

Reforço: não é publicidade, é sensibilidade mesmo.

Pois era tchuque tchuque pra um lado e tchaque tchaque pro outro, quando começo a achar que a escova de dentes tá muito dura. Arranhando a gengiva, o cabo maior. Abro os olhos, tudo parece normal. De novo. Tchoft tchoft e não é possível que minha boca esteja tão sensível, gente! Paro tudo. Olho pra escova. Lavo a escova. Olho outra vez. Essa escova de dentes é minha? Poderia não ser? Fico olhando pra escova atentamente. Tá muito arregaçada, minha escova não é assim. E minha escova não é dessa cor. E minha escova da vez é uma Colgate, e essa escova não é Colgate.

 Juro que não tô ganhando nada da Colgate pra mencionar a marca três vezes (e no título), juro! Até prefiro a Curaprox, fica a dica se vc tem dentes sensíveis.

Desconfiada daquelas cerdas desencontradas, peguei uma escova nova no armário e separei a esquisitinha. Recomecei o processo do tchuque tchuque, escova na boca e cabeça voando. Que raios, eu moro sozinha, quem trocou a minha escova de dentes? E mais: de onde é que saiu essa porcaria velha? Repassei mentalmente o dia: trabalho, mercado, diarista, banco e… DIARISTA… será? Diarista, sim. Diarista, que merda. Diarista, só pode. Diarista, que ódio. Diarista, não acredito que ela fez isso comigo. Diarista, mas como? Nem precisei ser Sherlock. No tanque de casa tem uma escova de dentes pra limpeza. Uso pra lavar pias, ralos e locais que exigem atenção aos detalhes. Porque o diabo da sujeira mora nos detalhes, não é assim? Então. Elementar, meu caro leitor, a diarista fez o favor. O favor de trocar a minha escova de dentes com a escova do tanque. Ou seja, com a escova da pia, do ralo, dos detalhes, do diabo da sujeira. Sim, a escova que eu tinha ACABADO DE USAR pra LIMPAR os meus dentes SENSÍVEIS era a escova da pia, do ralo, do diabo das cinco milhões de bactérias, do sapólio, da cândida. Só isso. Depois fui ao tanque. Lá estava a minha Colgate. Macia, bela, formosa e ao lado do sabão de coco. *&¨$#%@”^!!!!!

“Eu MATO a diarista”.

Acho que eu falei isso umas cem vezes enquanto pensava nos efeitos da escova de limpeza na minha boca. E (re)escovei os dentes umas três vezes seguidas com a escova nova e muita Colgate enquanto pensava na pia, no ralo, no diabo das cinco milhões de bactérias, no sapólio, na cândida. E bochechei com Colgate enxaguante bucal sem álcool por 180 segundos enquanto pensava se vou ter uma septicemia ou ficar banguela. Alguém tem um antibiótico aí?

Terceiro produto mencionado, avisa a Colgate-Palmolive Company que eu mereço pelo menos um kit. Mas não vale incluir sabonete Palmolive, tenho alergia.

 

 “Eu MATO a diarista”.

Alguém aí sabe se trocar a escova de dentes da contratante dá justa causa?

“Eu MATO a diarista”.

Deixa ela voltar semana que vem. Deixa.

 


Foto: netdentista.com

 

A fronha

Pareço boa dona de casa, mas são 21h45 de uma quarta-feira e eu, descabelada, ensaio o meu melhor sorriso e toco a campainha do apartamento 62. Um mocinho (lindo) abre a porta.

– Oi, boa noite, desculpa incomodar, mas eu moro no 82 e tem uma coisa minha na janela do seu quarto.

E #vou_tecontar que enquanto ele sorria de volta, com olhos claros e saltitantes, eu tentava explicar com alguma dignidade a minha trapalhada, que começou uns 20 minutos antes.

Quarta-feira, dia de trocar os lençóis. Escolhi o vermelho. Tirei o lilás. Amontoei e apoiei na guarda da janela, ao lado da cama. Gente pequena precisa chacoalhar lençol grande pra estender. Chacoalhei. Bateu na janela, o amontoado desequilibrou, corri pra segurar, mas a fronha caiu. Deu tempo de olhar pra baixo e ver o tecido aterrissar suavemente no acesso à garagem descoberta.

&$%#&*%#$@“~!!!!

E lá fui eu incomodar o zelador.

– Seu João, por favor, o senhor pode abrir o acesso à garagem descoberta pra mim?

– Mas o que você precisa, Lília?

– É que eu derrubei uma fronha pela janela.

Ele riu. E abriu. Resgatei depressa a fronha, me expliquei brevemente, me desculpei repetidamente.

Solidário, quase piedoso, Seu João teceu uns comentários (ruins) sobre a difícil vida da mulher moderna, que chega tarde do trabalho e ainda tem que cuidar da casa. “Mulher não descansa nunca”, sentenciou. Concordei com a cabeça, era o mínimo que eu podia fazer.

De volta ao lençol, percebi logo que faltava a outra fronha.

Olhei embaixo da cama.

Nada.

Chacoalhei os lençóis.

Nada.

Debrucei de novo na janela.

Nada no chão.

Que raios, eu já tava apelidando a infeliz de Malaysia e detectei algo suspeito duas janelas pra baixo da minha. Me inclinei um pouco mais e…

…putz, era ela!!

Certeza.

(repare na foto abaixo, feita da minha janela, o local exato onde a fronha parou)

 

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Porque na mega-sena eu não ganho, mas uma droga de janela estreita eu acerto sem ver!

Até pensei em deixar quieto, mas, poxa, é do joguinho e só tenho três joguinhos de cama! Então decidi:

Vou lá buscar. Agora eu vou até o fim.

Isso tudo resumido em poucas palavras e eu me sinto a louca da fronha na frente do vizinho do sexto andar.

Ele capta rápido a minha história, me poupa de detalhes sórdidos (que eu perguntaria no lugar dele), me convida pra entrar (fofo!) e vai lá dentro procurar a dita.

Parada na porta, noto que ele tem um companheiro na sala, parece que interrompi um TCC ou algo assim.

Quando ele aponta no corredor com a minha fronha na mão, só resta um ataque de riso coletivo.

– Acontece (diz ele, sorrindo).

É… comigo acontece.

 


Foto: arquivo pessoal.

 

Waze, uma paixão

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Te leva por trajetos nunca antes navegados, esquinas da vida que vc nem imaginava existir, ruelas com portais que te abrem os caminhos.

Mas daí chega o dia em que ele vai te levando, levando, vc vai confiando, confiando, virando aqui, virando ali…

…e quando vc tá numa rua escura, feia e sem saber nem pra que lado fica a sua casa, ele fica sem rede.

Roda, roda e nada.

Canalha!

 


Foto: arquivo pessoal.

 

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