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Somos todos Mariana

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Almoço em Pinheiros. 
Na mesa ao lado, Mariana chorava. Chorava muito. Copiosamente.
Do que pude escutar, registrei “não aguento mais”, “humilhação”, “tanto desgosto”, “você me entende?”.
Captei a interlocutora tentando oferecer consolo. Repetia “Mariana, Mariana” várias vezes, junto com um amontoado de palavras inaudíveis, palavras que pareciam escorrer tão rapidamente quanto as lágrimas de Mariana. 
#Vou_tecontar que Mariana falava baixinho, visivelmente constrangida. Tentava, em vão, ocultar seu pranto, disfarçar os olhos vermelhos entre o cabelo já desgrenhado, com mãos que apertavam as têmporas e esfregavam o rosto de minuto a minuto numa tentativa claramente inútil de manter o controle. 
Na mesa ao lado, um grupo de cinco ria alto. Alheios ao sofrimento de Mariana, falavam de Carnaval, registravam os feitos da folia, os pontos altos dos últimos dias. Completamente imunes ao derramamento dos olhos azuis daquela moça, suas gargalhadas com sílabas tônicas faziam batucada pra um choro que parecia não ter mais fim.
Chora, Mariana, chora.
Eu quis dizer. Mas não disse.
Naquele instante o mar de lágrimas de Mariana me inundou também. 
Não se envergonhe, Mariana. Pode chorar.
Eu quis abraçá-la. Mas não abracei.
Veio a conta – porque a conta sempre vem. 
Paguei no crédito. Não demora logo cai.
É, Mariana. 
Se tem uma coisa que, mesmo sem te ouvir, eu posso dizer da sua dor. 
Seja como for.
É que ela é Universal.

Fica bem, Mariana.


Crédito da imagem: copiarecoloriedesenhar.anildomotta.com.br

Já imaginou como seria tornar-se algo que te apavora?

Você já sentiu medo de acordar num dia qualquer sendo alguém que detestaria?

Assim: você vai dormir Você e acorda Eike Batista no instante de raspar a cabeleira no xadrez. Ou acorda num garimpo, peneira na mão, enterrado na lama até o olho esquerdo do Cerveró. Na cama de um hospital com um tubo na garganta, aquela luz branca na cara.

Já imaginou como seria tornar-se algo que te apavora?
Eu já.

Tenho medo de um montão de coisas, mas tenho um medo especial de me tornar a velha louca da rua.

De repente ou, que seja, lentamente.

Aquela criatura que perdeu feio no jogo da vida e hoje arrasta a coberta. Aquela que resmunga quando o povo passa. Que se abriga no papelão de molico, pede moeda e vive com fome. Aquela que conversa com um bando de gente e conta uma história diferente pra cada um pra justificar a rua como moradia. Aquela que não tem amigo, que entra e sai de abrigo. Que diz que não pode e parece que também não quer voltar pra casa.

A velha da rua me dá pena. Muita. Já dei iogurte, já dei pão, já dei boa noite e disse “fica com Deus você também”. Já acompanhei conversa longa, alta, esganiçada e detectei a loucura da velha.

Mas a velha da rua também me irrita. Irrita porque não sai rua, tanta gente ajuda, orienta, indica abrigo, programa social e tal, mas passa o tempo e ela volta pra rua. Irrita porque fica exposta à friagem, porque geme sempre aqui e ali adiante, pedindo moeda com a mesma melodia “ai que fome”, buscando a piedade de quem vê.

Só que a velha não aceita qualquer coisa, é bom frisar, vi recusar prato que foge da dieta. Sim, a velha da rua tá gordinha. E tem restrição alimentar. Ela é como a maioria de nós, afinal.

A velha da rua às vezes me dá raiva. Como quando não tinha moeda, não tinha iogurte, não tinha pão nem nada. A velha ficou brava, resmungou bem alto a falta da moeda. Feito criança mimada que não ganha o doce. “Ninguém me ajuda”, choraminga toda vez a mesma moeda.

A velha louca é coitada. É teimosa. É criança abandonada. A velha da rua é tudo e ainda mais – e nem é tão velha assim.

A velha da rua me apieda e me afronta. Personifica os meus medos. Do desamparo, da insanidade, da vida escorrendo sem controle pelos dedos das mãos cada vez mais enrugadas e soltas no espaço. Sem par nem mar pra nadar.

A velha vai direto nas veias mais calibrosas. Tapa na cara, dor de estômago, pena e raiva num espelho que eu vejo mas nunca quero olhar.

Mas que aparece na rua vez ou outra.

Tem um tempo que ela não dá as caras. 
E toda vez eu digo: da próxima vez vou puxar papo. Não por ela, por mim.

Porque ela é tudo que eu não quero ser.


Crédito da imagem: velhaelouca.com.br

Segunda-feira sem carne…

 

Segunda-feira sem carne. Sem frango. Sem peixe. Sem ovos. Sem iogurte, queijo branco, alface, tomate, azeitona. Segunda-feira sem coisa alguma.

Dieta do jejum intermitente? 
Não, amigos.

#Vou_tecontar que foi a diarista.
Se ela comeu tudo o que eu tinha em casa?
Não, amigos.

Ela deixou a geladeira FORA da tomada.
Na quinta-feira. 
Com esse calor de Lúcifer.
Magina?
Virou estufa.

Cheguei ontem (72 horas depois), aquele cheiro.
Duas horas pra limpar. 
Sangue (sim, tinha carne congelada), suor e lágrimas – de desgosto.

Perdi tudo.

Inclusive as marmitas congeladas da mamãe. Aqueles potinhos que acolhem a alma em dias difíceis, o carinho que te abraça aplacando a fome nessa vida louca da paulicéia.

Tu-do.

Sobrou só o pó de café. Garrafas d´água e formas de gelo.

Sério.

Já tem gente sugerindo picar a diarista. 
E congelar.


Crédito da imagem: Depositphotos.com

Quando Baleia Azul era apenas uma Baleia Azul

 

Quando eu tinha uns 12, 13 anos, minha melhor amiga – hoje “cumadi” – e eu inventamos uma Baleia Azul na escola pública do interior.

Nada mais era do que uma figura simbólica e romanceada, oriunda das profundas trevas marinhas para uma revanche contra os humanos maldosos. Todos os alunos mal-intencionados poderiam ser hipoteticamente “devorados” para viver como Jonas, na Baleia gigante.

Minha amiga, que tinha uma caligrafia linda de se ler, deixava recados pela escola:

“Cuidado com a Baleia Azul, ela pode te pegar”. Eventualmente, um desenho de baleia.

E era isso. Uma piada interna. Sem mais.

Fosse anteontem, seríamos acusadas de gordofobia e preconceito racial, já que a criatura foi batizada de “Baleia” e classificada como “Azul”. Muito embora não houvesse nem a mais vaga relação com os gordos de uma eventual casta azul.

E hoje seríamos acusadas de suicidas em potencial, muito embora jamais tenhamos cogitado qualquer tipo de autoagressão for any reasons why.

Aos 12, 13, éramos menos maníacas e mais Moby Dick. Sabe?

Gordos, coloridos e suicidas não estavam na nossa pauta. Nem existia internet. Existia a nossa Baleia Azul ingênua, desenhada com giz branco, sem carne, sangue ou barbatanas.

Existia o desafio de pular o muro da escola pra comer pão de queijo no centro e de entrar escondido no salão nobre pra tocar piano. Eram as nossas contravenções à la Baleia Azul.

Quando vi notícias sobre o jogo mortal da Baleia Azul, imediatamente me lembrei do “nosso” mito da Baleia Azul. Logo recebi mensagem no WhatsApp, da cumadi chocada:

“Nossa Baleia Azul era tão inocente. Mundo cruel”.

Outros tempos. Outras baleias.

Desgraçados. Além de tudo poluíram uma das minhas lembranças mais doces da escola.

 


Imagem: www.youtube.com/watch?v=FEL354-mn2Y

Listen to your heart

Da mesa do restaurante, escuto o papo das quatro jovens de vinte e poucos ao lado:

– Então é isso, meninas, casei – ou melhor, juntei – e a Margot é nossa primeira filha.

– Ela deve ser linda!

– Sim. E super esperta. Vai pra escola três vezes por semana. Daí volta cansada e desmaia. Hoje, por exemplo, não foi. Então sei que vai dar trabalho pra dormir.

– Normal, quando crescer melhora.

-Imagino que sim. Preferia que ela fosse pra escola todo dia, sabe, mas fica caro.

Fiquei pensando que raio de escola é essa que vc escolhe a frequência.

Logo entendi:

– Sabe, no começo eu não queria. Mas ele insistiu. Quando viu, disse: é nossa, a nossa primeira filha! Então compramos. Com 5 meses ela já senta, fica, dá a pata e troca a pata. Precisa ver. Na escola eles adestram.

Margot é uma border collie.

O próximo filho vem no ano que vem. Da barriga. Ela acabou de contar. Também disse que passou frio em Chicago na semana retrasada e tá super bem no emprego em Alphaville.

Agora tá o maior troca-troca de smartphones, fotos, cosmopolitan e risos.

Tá tocando Roxette.

Listen to your heart.

 


Imagem: livestrong.com

Carnaval em branco

Pão de Açúcar da Mourato Coelho, sábado à tarde.

Omo, Comfort, Limpol, lustra móveis, papel higiênico… – #vou_tecontar que já pego logo de pacotão porque é mais econômico e dura mais.

Fila do caixa. Na minha frente, latas de cerveja. Atrás, catuaba selvagem.

Sim, é Carnaval em Pinheiros.

Mais de 35 graus e a turminha com três garrafas de catuaba. Glitter, penachos e fantasias pra todo lado.

Acho que “se pá” só eu fazia compras à paisana, no modo tradicional. Sacolas nos ombros, pego o fardo de papel higiênico e o caminho de casa.

Encontro foliões aos montes, se multiplicando exponencialmente (existe isso?).

Pensa rápido, Lília. Podem mexer contigo, perguntar qual a fantasia…

Opção 1: tirar o Limpol da sacola e fazer a “diarista”.

Não.

Opção 2: bancar a “cagona” e levantar o papel higiênico.

Não, sacanagem.

Opção 3: já sei: se alguém perguntar digo que tenho baile e vou de loira do banheiro. Para dar efeito uso papel higiênico de serpentina.

Mas quer saber?

Eu queria mesmo é fazer a múmia e passar em branco.

Tem alguém aí???

Daí que depois de um longo dia de trabalho eu chego em casa, saio do elevador e encontro a minha porta aberta. Com a chave pendurada pra fora. Aberta mesmo, não apenas destrancada.

Escancarada.

#Vou_tecontar que o meu coração quase salta da boca. Mas antes salta o nome da diarista (será possível que ela ainda não foi embora?).

Nada. Só o som da TV ligada, baixinho.

Caramba, a Pixie! Cadê a minha cachorrinha?

E antes que meu coração despencasse escada abaixo, vem ela me receber.

Pego no colo. Pergunto se está tudo bem.

– Pixie, tem alguém aí dentro?
– Oi, alguém?

Nada.

Entro devagar, olho cada cômodo, ainda desacreditando na situação.

Ninguém. Nem visita nem ladrão.

Das duas uma: ou a diarista foi sequestrada após deixar tudo em ordem ou ela foi embora habitualmente às 16h30 e esqueceu a minha porta totalmente escancarada.

Sim. Porta aberta, chave pra fora, tudo à disposição e a Pixie livre pra passear pelo prédio e chegar até a rua.

Ainda não processei o acontecimento. Só tô agradecendo que minha floquinha é boazinha.


Foto: arquivo pessoal.

Cabeleira, cabeloira

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Os primeiros cabelos brancos costumam ser alvo de maus pensamentos das mulheres. São o primeiro indicativo concreto – ao vivo e sem pigmento – de que o gráfico da vida vai se inverter e a queda é inevitável. Dramático, mas bem real.

O branco aparece, a gente arranca. Diz a lenda que nascem sete (7!) a cada um (1!) que é assassinado. Deve ser verdade pois, conforme negamos, um a um, eles se multiplicam rápido pela cabeça. E #vou_tecontar que eles judiam quando começam a se destacar mesmo com o cabelo molhado, vários, espetados, rebeldes. Nessa etapa, arrancar já não é mais uma opção. O prata grita no espelho e não, não dá efeito glamour.

Nada contra pintar o cabelo, mas não acho uma boa ideia ser sócia da L´Oreal desde já e pra vida toda. É um contrato indesejado, desvantajoso, quase cruel. E os efeitos cumulativos da tinta sobre o cabelo são como os do tempo sobre a pele… sem volta. Ressecamento, queda, opacidade… e não adianta dizer que o mercado evoluiu e as tintas de hoje tratam os fios e bla bla bla whiskas sachê. Estraga. É ruim.

Sem falar na preguiça de incorporar um novo ritual à vida, já tão cheia de procedimentos. Frequentar $alão na obrigação pra manter a cor natural e esconder a famigerada raiz dá deprê. É pagar pra parecer que você continua exatamente igual. E, vamos combinar, aquele efeito artificial-barato-caseiro-amarronzado-acobreado-cafoninha de farmácia não rola.

Loira oxigenada deve penar bem menos nesse momento da vida. Habitué dos salões, talvez nem realize a invasão dos brancos bárbaros. Já nem lembra mais a exata cor natural dos fios mesmo. E está sempre com o pincel na cabeça mesmo. A rotina não muda mesmo. O bolso já acostumou mesmo. O espelho já nem liga mesmo. Não é mesmo?

Tenho lembranças da minha mãe com reflexos – moda nos anos 80 para disfarçar a passagem dos anos. Linda, bem cuidada, com pele e olhos realçados, aparência saudável. Mas isso foi no tempo das ombreiras, gente. Viramos o milênio e ninguém ainda foi capaz de evitar esses malditos despigmentados? Como é que pode? Murphy sempre de plantão: não herdei a beleza de miss da minha mãe, mas herdei a tendência ao branco precoce e o mau colesterol. Maravilha.

Em busca de alternativas, uma consulta à cabeleireira e o diagnóstico fatal: mulher não fica velha, fica loira. Melhor você fazer luzes suaves, não muito claras… fica discreto, dura bastante, não compromete e disfarça bem. Nessa hora senti uma paulada. Como se estivessem me empurrando pro abismo da loirice, sem chance de defesa, sem um cipó pra me agarrar, de onde eu gritaria “me tirem daqui!”

E, desde então, vinha adiando a medida, da mesma forma que adio o laser facial, o bloqueador 50 (ainda estou no 30), o ômega 3, o Yakult 40. Na primeira versão desse texto, de 2011, eu achava que de 2012 não passaria. E eu imaginava várias vezes como seria. Aquele cheiro de tinta, o papel alumínio, os minutos de espera e o choque de me ver velha, ops, iluminada. Eu olharia atentamente pra imagem no espelho, procurando Dori. E diria: cadê eu? Eu me quero de volta.

Teimosa que sou, durante quase 5 anos eu me segurei firme no tonalizante castanho eventual. Me agarrei ao argumento de que não tenho alma loira e que algumas sessões de luzes = uma passagem aérea. Busquei honradez na despigmentação paulatina, lutei ferozmente por uma transição suave, cogitei pratear. Acreditem, eu resisti bravamente até meados deste ano.

Até que, vencida pelo espelho, pela recorrência desgastante, entreguei os pontos e os fios aos cuidados da colorista. Saí iluminada por fora e sem passagem aérea nas mãos.
Naquele dia e nos dias seguintes, eu falei: cadê eu?

Depois passou.
Porque é mesma alma por dentro.

Sabe, eu acho que resiliência é uma lição do tempo.
E o pigmento é certamente o menor dos meus dramas hoje.

 

PS. E se vc tá achando que eu fiz um texto animador, tá enganado, viu. Eu só quero dizer que tem merda bem pior rolando. 😉

 


Foto: arquivo pessoal.

Dia dos Pais e a menina da fotografia

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Esses dias eu estava esvaziando um HD antigo e encontrei a última foto com meu pai. #vou_tecontar que foi a primeira vez em 9 anos que consegui olhar pra ela sem me debulhar em lágrimas e soluços incontroláveis.
Derramei lágrimas, sim, mas além da saudade apertada, vieram muitas lembranças boas. Porque eu dei muita sorte com pai nessa vida.

E hoje, nesse clima de Dia dos Pais, eu olho pra primeira e pra última foto de nós dois juntos (talvez até exista outra primeira, mas eu só tenho essa), e me lembro de quantos momentos bons tivemos. E do quanto ele ainda está presente na minha vida. De como eu quase escuto a sua voz de vez em quando, fazendo uma piada, me dando um conselho.

Eu não me recordo da primeira foto, claro, eu só tinha 2 anos. Mas me lembro de um pai presente, carinhoso, cuidador, paciente, que me ensinou a caminhar na vida e sempre esteve ao meu lado em qualquer circunstância.

Da outra foto eu me lembro exatamente, e com detalhes. Foi em março de 2007, registro de um celular Nokia velhinho que eu tinha em mãos nos últimos dias que passamos juntos. Era o fim de um período em que os papeis se inverteram e eu tive a chance de poder cuidar, amparar e tentar suavizar dores físicas e emocionais (nem sei se mais as dele ou as minhas).

De alguma forma eu queria retribuir minimamente o pai incrível que ele foi, estando ao seu lado, fazendo o possível e o impossível pra tirar seu sofrimento, para dar alívio e colocar um sorriso naquele rosto, que tantas vezes me fez sorrir só por existir.

E por mais que tenha sido um período terrivelmente difícil, sim, ele sorria, ele fazia piada, ele tinha paciência e tornava tudo mais leve.

Eu tinha 29 anos quando disse alto pela última vez:

– Pai, eu amo muito você. Você é o melhor pai do mundo, nunca se esqueça disso. E quando você acordar, a gente vai fazer um passeio bem gostoso.

Ele não acordou.

Mas a verdade é que, lá no fundo, essa menina de 2 anos da fotografia vai esperar pra sempre.

<3

Com as boas lembranças. Que são lindas.
Feliz Dia dos Pais.

 


Foto: arquivo pessoal.

Ali na sarjeta

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Manhã cinza e fria em SP.
Na sarjeta da Engenheiro Ary Torres vejo de relance sonhos de 2017.
De todo o resto de uma vida idealizada.

Ali, na sarjeta, os sorrisos, as mãos entrelaçadas, os olhares de cumplicidade, as noites de alegria.
O cachorro vira-lata, as viagens pra montanha, as macarronadas de domingo.
Ali na sarjeta os filhos que eles não vão ter.

Ali na sarjeta um beijo seco, amarelado pelo tempo, murcho, sucumbindo à inanição sem cuidado e atenção.
O resto doloroso e espinhoso do amor da vida toda.
Ali na sarjeta o último gesto desnudo, a busca de um laço, a tentativa falida entregue num só maço.

Ali na sarjeta, um ponto vermelho sobre cinza, feito sangue esfriando sobre asfalto cru.
O último suspiro, quase sem pulso depois do último impulso.

Ali na sarjeta, de relance, feito morte instantânea por acidente.

Eram rosas vermelhas.
Eram flores jogadas naquela sarjeta.

Vi assim, de relance.
Ali na Engenheiro Ary Torres.

 


Imagem: eutanasiamental.com.br