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O carrinho

Sabe aquele dia de cansaço avassalador, quando as olheiras invadem as bochechas e seu maior sonho é dormir sem nem sonhar, que é pra não gastar mais energia?

Pois #vou_tecontar que é nesse mesmo dia que a geladeira tá mais vazia e a máquina cheia de roupa pedindo sabão. Ok, rotina, você venceu, vamos ao mercado. A estratégia é: entrar, pegar, pagar e sair; nessa ordem.

Carrinho à frente, listinha na mão (sim, ainda uso), de olho na sinalização (porque esse mercado eu não conheço bem) e a cabeça sei lá onde. E essas quatro últimas palavrinhas devem ser as grandes culpadas dessa história.

Porque o corpo num lugar + a cabeça em outro = a raiz quadrada de uma potencial gafe, acidente ou problema.

Iogurte, queijo branco, pão integral, banana prata (tava bonita). No piloto automático. E pega saquinho pra botar a fruta dentro. E põe no carrinho. E eu queria aquela bolachinha de pacotinho pequeno. Aquela que engana a fome da gente, fazendo pensar que tudo bem, que é saudável, só que não.

Pois cadê a gôndola de bolacha? Mercado muito grande faz a gente pequeno e rouba tempo de sono. Que saco. Viro, pego o carrinho e saio em disparada pro outro lado, 4 ou 5 gôndolas adiante, decidida a acabar logo com aquilo. Acho a tal bolachinha de pacotinho pequeno que engana a gente. E quando vou colocar no carrinho…

…esse não é o meu carrinho.

Eu não peguei manga, uva nem caixa de papelão. Definitivamente esse carrinho não é meu. Mas se não é meu, de quem é?

Cara, eu peguei o carrinho de outra pessoa. Peguei e saí em disparada, feito ladrão de carrinho. E o dono do carrinho deve estar procurando por ele. Ou será que ele viu? Será que ele me viu sair em disparada com o carrinho dele pelo mercado? Será que ele tá atrás de mim? (viro pra checar e não tem ninguém) Levanto a cabeça mirando as câmeras do mercado. Será que o segurança me viu pela câmera e está vindo me abordar? Me afasto do carrinho, meio que negando aquilo tudo ou meio que pra evitar um flagrante.

Paro e penso rápido. Não acredito que eu fiz isso. Agora preciso pegar o meu carrinho de volta. Porque eu não vou recomeçar a compra, não é justo eu ter que escolher as frutas de novo. E por um momento imagino se o meu castigo é ficar escolhendo bananas em looping no mercado pra sempre.

Interrompo esse raciocínio dramático e inútil. Mentalmente refaço o caminho até ali e logo minhas pernas me carregam de volta pro local onde possivelmente o meu carrinho ficou. Ou teria o dono do outro carrinho pego o meu carrinho também por engano? E então seriam dois carrinhos perdidos naquela imensidão de gôndolas e… não! Eu não vou acatar o looping nessa altura do meu cansaço. Se eu não encontrar o carrinho, quer saber, eu…

…achei.

Estava lá, no lugar onde eu deixei. Quietinho. Sozinho. Me esperando. Então assumi o comando da estrutura metálica e voltei bem rápido pra gôndola de bolachas. Lá estava ainda o objeto de furto involuntário. Olhei de canto, fiz que não era comigo. Mas senti pena do dono, que talvez estivesse confuso, cansado, imaginando onde foi que deixou o carrinho, que cabeça a dele!

Sou culpada por pegar o carrinho de outro e ainda fazê-lo passar por esclerosado. E se fosse um idoso? Cara, eu posso ter pego o carrinho de um idoso. Olhei em volta, nenhum idoso. Ninguém com cara de “onde está o meu carrinho?”.

Que vergonha. Como que é que eu ia achar o dono do carrinho?

Então um funcionário se aproximou. Pegou o tal carrinho, olhou bem pra mim – e nesse momento eu estava chorando de rir (sério) –, e seguiu na função. Deduzi: era o carrinho de compras devolvidas ou abandonadas na esteira. Ele estava só recolocando os produtos no lugar.

E deve ter pensado: o que é que essa louca está fazendo?

Sim, eu preciso de férias.
Muito.


Crédito da imagem: fatosdesconhecidos.com.br

O dia em que ele foi embora

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Foram 17 dias intensos. Acordando, tomando café-da-manhã, almoçando, jantando, dormindo… tudo juntos. Até que chegou o momento inevitável. O dia em que ele pegou um avião, cruzou o atlântico e voltou pra casa. Dele.

E #vou_tecontar que então tudo virou silêncio. Um só pote de sucrilhos na mesa. Nada de toalha molhada em cima da cama. Ninguém pra disputar a coberta. Ou pra conversar enquanto o sono não vem.

A casa estava vazia. Dela.

E esvaziou-se como uma atração turística após o expediente. Como um museu de grandes novidades depois que os visitantes vão embora. Como um palco quando terminam os aplausos, as luzes se apagam e alguém bate a porta.

Estava mais sozinha do que sempre. Mais esgotada do que a Cantareira. Mais na ressaca que no seu maior porre. Mais loser que aquele funcionário que sempre fecha a firma bem depois do expediente – porque não consegue dar conta no tempo regulamentar.

Era o fim.
Das férias.
Dele.

Um desfecho esperado, afinal, era paixão de verão. Era verão no hemisfério norte. E talvez eles nunca mais se verão. Talvez estejam condenados a viver como um trocadilho infame, que não se pode repetir porque soa mal. Como uma bota que não combina com o cinto e faz o look ruim.

Três da tarde. Hora de levantar, reagir, seguir em frente. Afinal, foram 17 dias e não 17 anos.

Uma rápida limpeza na casa, um breve surto de arrumação. Ela sempre acreditou que a organização também pode acontecer de fora pra dentro. Gavetas em ordem são um ponto de partida pra cabeça no lugar.

Lista de compras na mão, seguiu pro mercado. Na fila, viu que a moça do caixa conversava com um homem. Pareciam não se entender, ela estava contrariada. “Te pego na saída e acertamos os detalhes”, ele avisou.

Torrada, ricota, suco de caixinha, sucrilhos, capuccino. Cada item se arrastava na esteira lentamente, com o mesmo peso e preguiça que ela foi de casa pro mercado; como a moça do caixa passando os produtos vagarosamente pelo leitor do código de barras.

Opa, passou o mesmo produto duas vezes. Para tudo, chama a gerente, cancela, continua. A moça do caixa parecia abalada.

Estaria tão triste quanto ela?
E nesse caso a ordem das pessoas não altera a pergunta.

R$ 87,90. CPF na nota? Pagamento no débito. Ah, digitou crédito. Começa de novo.

“Desculpa, moça. É que tem dias que a vida pessoal interfere no trabalho da gente”, falou a caixa, cabisbaixa.

“E eu não sei?”, respondeu ela, errando a senha.

Nesse instante se olharam.

“É que ele terminou comigo, depois de 17 anos pediu o divórcio”, revelou a caixa, num suspiro.

E então escorreu uma lágrima.
De uma.
E de outra.

Se encontraram num choro triste e doloroso. Ali, bem no caixa do mercado, numa quarta-feira de inverno qualquer.

Constrangida, pensou em colocar os óculos escuros pra evitar que outros clientes vissem o pranto. Mas achou que seria indelicado com a moça do caixa. Deixá-la chorando sozinha nesse dia tão difícil. Afinal, foram 17 anos e não 17 dias.

“São R$ 87,90”, repetiu a caixa, engolindo o choro, o nariz vermelho.

Transação aprovada.

“Posso te dar um abraço?”

A caixa assentiu. Solidárias, se despediram entre ecobags.

E já na volta pra casa é que se deu conta. Nem perguntou o nome dela.

Mas tudo bem. Logo mais será verão no hemisfério sul.

Aguardem.

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E enquanto o dia dela não chega, te deixo com esse vídeo aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=589U59Ofaok&feature=youtu.be

 


Foto: Aline Filócomo.