Eu tinha quatro ou cinco anos. E ganhava um sapato vermelho de presente. Era um modelo boneca, confortável, de um vermelho forte e acabamento que parecia um verniz suave. O fecho prendia a tira no terceiro furinho.
#vou_tecontar que era a coisa mais linda o meu sapato vermelho.
Fazia toc toc quando eu caminhava. E enquanto eu andava pra lá e pra cá no chão de madeira pra escutar a música do meu sapato, abri os olhos. O quarto estava cinza e era de manhã. Fechei de novo pra procurar o sapato vermelho e não achei. Pulei da cama, abri o armário da direita e meus olhos ansiosos vasculharam o cantinho inferior.
O tênis branco e azul da escola estava lá. A sandália branca de couro macio também. E os chinelinhos. Mas sapato vermelho não tinha ali. Nem de luz acesa, nem de luz apagada.
E assim eu entendi que era sonho. Eu perdi o meu sapato vermelho e eu só tinha quatro ou cinco anos.
Por muito tempo eu pensei naquele sapato.
Aos dezenove comprei um all star vermelho. Era o meu predileto, tenho até hoje. Aos vinte e dois achei um modelo similar, mas era verde. Comprei uma meia vermelha e usei a dupla até cansar. Aos trinta, cada vez que eu entrava numa loja era o vermelho que eu procurava. Teve uma vez que vi um parecido, mas não encaixou no meu sonho, não era o meu número.
Ano passado, pela primeira vez bati o olho num sapato vermelho que não era tênis, que não era verde e que serviu. Eu gostei, é arredondado, dá conforto. Fiz o sapato caber no meu sonho por R$ 139,90. Eu adoro o meu sapato vermelho.
Só que é vermelho, mas não tem fecho. É vermelho, mas não tem música esse sapato.
Talvez eu nunca tenha um sapato vermelho com fecho, com terceiro furinho e com música.
Porque eu só tinha quatro ou cinco anos.
E quando se tem quatro ou cinco anos a gente pode sonhar qualquer coisa.
Imagem: huffingtonpost.com