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O peeling e a mulherzinha que não mora em mim

 

“É um peeling de ácido retinóico”, me disse a doutora. “Você vai estranhar um pouco no começo, mas depois vai adorar o resultado”. Do jeito que ela falou, explicando o procedimento, acho que eu era a única mulher no mundo com mais de 30 que nunca fez um desses na vida. #vou_tecontar que me senti uma Pug desleixada.

 

E antes que você continue a ler essa história, sugiro clicar nessa trilha sonora óbvia aqui. Se você tiver a minha “faixa etária”, vai te fazer viajar no tempo:

 

Ok, topei. Vamos lá, se é pra bem, que mal tem? Preciso me cuidar, afinal de contas, já basta andar por aí largada e descabelada. E tava incluído no valor da consulta. De graça tudo fica muito mais legal, né?

Ela pincelou uma gororoba na minha cara e me mandou pra casa. Disse pra eu lavar o rosto dali quatro horas, impreterivelmente. Beleza, vai ficar uma beleza. Anotei todas as recomendações para os próximos 7 dias, quando eu voltaria a ter 27 anos (uhu).

“Compra a água termal, vc vai precisar”. Ok. La Roche Posay. “Se for sair, protetor 70 oil free”. Uhum.

Lavei o rosto na hora certa, tudo nos conformes, ainda era eu. À noite foi me dando um esquentamento. Uma vermelhidão. Mas tudo bem, ela tinha me avisado como seria.

Na manhã seguinte tinha uma figura estranha no espelho. Trocaram o meu rosto por um tomate enquanto eu dormia. Estava redonda e vermelha. “O segundo dia será o pior dia”, me lembrei da explicação. Beleza. Vai passar e voltarei a ter 27 anos.

Fui até o mercado. No trajeto, na fila dos frios, no caixa e a cada olhada que me davam eu quase escutava: “olha a idiota que foi pra praia e não usou protetor”. Devia eu contar que só uso 70?

Deixa pra lá, posso dizer que estava doidona em Ibiza se alguém me perguntar.

Eu toda encapotada no inverno paulistano e o termômetro do meu rosto marcava 40 graus. Ou mais. Uma borrifada de água termal pra me aliviar e a mulher ao lado manda: “É peeling, né?”. É, pois é, respondi, procurando uma brisa ou uma geladeira de sorvete nas proximidades.

No dia seguinte, eu já estava craquelenta, cheia de repuxamentos. Em seguida começou um descascamento incontrolável.

Numa visita à livraria pude sentir os olhares e questionamentos dos homens à minha volta: “Será que ela é doente? Será que isso pega?”. O moço do caixa, muito educado, fingia que estava tudo normal. Disfarçava enquanto provavelmente tentava entender a razão daquela pele pulando do meu nariz.

Acho que nesse dia entendi exatamente o que sentem as pessoas com deficiência sobre os olhares externos e a reação de pessoas que ignoram o que está evidente. É desconfortável quando te sorriem e fingem que não há nada de diferente quando, na verdade, há.

É tipo quando a gente olha pra alguém muito vesgo e não sabe em qual olho focar, mas disfarça, sabe assim?

Estranho e constrangedor.

Acho que é por isso que a doutora me disse que as pacientes geralmente fazem peeling nas férias, feriados, ocasiões em que ficam trancafiadas dentro de casa pra ninguém ver a cara delas. Depois voltam lindas e radiantes, os amigos elogiam e elas dizem que a pele tá boa porque são felizes e “bem amadas”.

Safadas.

E, vou te dizer, colega, não há água termal, base líquida ou protetor que disfarce um peeling desses. Parece que seu rosto quer se soltar de você, cair numa corrente de vento fresca e ganhar os sete mares.

Gente, nem quando eu tinha 10 anos e esquecia de repassar o protetor depois de horas na praia ficava desse jeito. Por que é que a gente faz isso com a gente?, pensei. Daí lembrei dos 27 anos e tratei de calar a consciência.

E não quero ficar reclamando muito porque já ouvi dizer que depois dos 40 ou 50 o peeling (mais forte ainda) deixa a pessoa com cara de quem se esfregou no asfalto. Gente, precisa?

Hoje eu acordei mais leve. Tinha bastante pele no meu travesseiro e, sabe, pele “velha” pesa, né? E junta ácaro. Então tratei de lavar logo a fronha e o rosto.

Agora tá melhor. Tô aqui esperando pra ver se em três dias voltarei a ter 27 anos.

Mas hoje ainda me sinto com 37. E no fundo eu sei que continuarei com 37. Com as mesmas crises, dúvidas e questionamentos de 37.

E, cá entre nós, completamente sem saco pra essas coisas de mulherzinha.

 

E pra lembrar que juventude e velhice não têm nada a ver com idade, deixo você com esse vídeo aqui: