meu aniversário é na semana que vem. legal, vai acabar o inferno astral. tá, eu gosto de receber o carinho das pessoas. sim, eu aceito presentes. não, eu não gosto da passagem do tempo. ou melhor, eu não gosto de ver o tempo encurtando na frente e esticando pra trás. ou seja, eu não queria fazer aniversário. verdade, eu só queria uma outra dose de tempo. sabe, não é pelo colágeno que escorre pela mão. é que eu plantei a árvore, mas não fiz o resto da lição. não conheço uns continentes. nem experimentei o suficiente. tenho histórias me esperando. alguns projetos pra executar. e um rumo para encontrar. juro, eu não quero chegar antes, só aproveitar mais o caminho. até tenho algumas metas, mas sou o pior chefe que eu podia ter. daí o presente que eu queria mesmo ninguém pode me dar. tipo uns anos de brinde. então vou aceitar o calendário e brindar a passagem do tempo. porque não há nada que eu possa fazer. é bom mas é uma droga. entende? se vc não entende, sorte a sua. do contrário, que bom e que droga que vc me entende.
Mas quando acontece ao lado, bem próximo ou quando esbarra na nossa vida, assusta.
Pra caramba.
Porque cai aquela ficha da fragilidade da existência. Um elefante (dois elefantes, três elefantes, dez elefantes…) reaparece dentro da nossa cabeça e faz estrago pra lembrar que a vida se vai feito balão no vento. A vida dele, a minha, a sua. Ela vai. Esvai. Pluft. Um dia acordou e não tem mais.
E dias assim são diferentes de quando a gente vê na televisão (fulano morreu), escuta dizer (fulano morreu), lê (fulano morreu) ou simplesmente sabe que tá por aí (fulanos morrem).
Se quem morre é da família ou muito próximo, a gente meio que vai junto. A pessoa leva um pedaço nosso e a gente segue esburacado. O impacto é tão forte que a morte até muda a vida.
Se quem morre é colega ou conhecido, a gente entristece, pensa na família, se põe no lugar, adota discurso clichê, tudo pra tentar lidar com a indigestão da realidade.
Mas a morte nunca desce bem no nosso mapa mental, do lado esquerdo de Greenwich.
Se quem morre é velhinho a gente sofre pela porcaria da finitude.
Se quem morre é jovem, a gente sofre porque tinha a vida toda pela frente.
Se quem morre tava doente, a gente sofre porque foi morte sofrida.
Se quem morre tava saudável, a gente sofre porque foi morte imprevista.
Se quem morre vai de acidente, a gente sofre porque foi morte banal.
Se quem morre vai lentamente, a gente sofre porque foi morte dolorosa.
Não me venham com argumentos de “lei natural”, “os bons morrem antes”, “estava escrito”, “descansou” (esse é dos piores).
Morrer é sacanagem! – com exclamação.
A morte não causa só tristeza e saudade. A morte causa crise existencial em quem fica. Traz de volta aquelas perguntinhas que a gente não sabe responder direito e deixa por último nas provas da vida, tipo “o que é que eu tô fazendo aqui mesmo?”. Mas a gente faz esquema de vestibular. Não sabe, pula, vai pra próxima e diz que volta depois pra não perder tempo. Né? Muitas vezes não dá tempo. Daí a gente acaba “chutando” no final ou deixa em branco. E quando a gente vê, já foi.
Mas na vida alguns vão e ficam. Tô falando de gente que já morreu mas a gente trata como se ainda estivesse andando por aí.
Dá quase pra ver a figura tomando um café, comendo uma pizza, trocando ideia, escutando música.
Tipo Freud.
Freud tá em todas. Quase todo mundo conhece o cara. Ele tá nas mesas de bar, ele tá nas empresas, ele tá nas casas de família. É onipresente.
Freud não morreu. Tá, eu não vou citar o Elvis aqui (não sei quem eu citaria na música). Mas cito, sei lá, Lewis Carroll, Leminski, Aristóteles que vem depois de Platão, cito até o padre do balão. O Aristóteles tomando uma gelada com o padre, imagina?
Na internet, Clarice, Osho, Buda, CFA e até o Bial se misturam em atribuições. Até enchem o saco. Já não se sabe qual é a Lispector qual é a Falcão. Tudo meio morto-vivo. Tipo CPMF. E antes que me corrijam eu sei que o Bial tá vivo.
E eu poderia passar horas citando nomes e mais nomes que formam um exército do que eu poderia nomear de “existências perenes”. E não tô falando de espírito. Deixo a crença de cada um com cada um. Tô falando daquilo que fica. Da vida. Pra cada um.
Meu pai é um clássico pra mim. Morreu, mas tá por aí. Tipo Peter Parker, porque o heroi continua.
Sabe, de vez em quando me pergunto se a coisa aqui não é meio Caverna do Dragão.
A gente já morreu e nem sabe.
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O que eu quero dizer com estas linhas?
Não sei.
Se eu soubesse não escrevia aqui.
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Mas acho que preciso voltar naquelas perguntas.
As que deixei em branco.
Gif: me encaminharam e desconheço a fonte, mas parece ser marquinhoosmark.
Esses dias fiquei presa dentro de casa. Da minha própria casa.
O zelador veio entregar uma encomenda e eu não conseguia abrir a porta.
Tenho uma fechadura comum e duas trancas (moro num bunker desde um roubo à vizinhança), e uma delas não obedecia a chave de jeito nenhum.
Virava daqui, virava dali e nada de abrir.
Depois de uns 20 minutos de tentativa eu suava só de pensar que não podia sair.
#vou_tecontar como eu saí dessa, mas antes sugiro que você clique nessa trilha sonora aqui (só pra dar mais mais emoção e valorizar minha solução) :
Então o zelador sugeriu:
– Lília, passa a chave por baixo da porta que eu abro aqui por fora.
– Que nada, Seu João, debaixo da minha porta não passa carta nem barata. A coisa é estreita!
Logo olhei pra janela escancarada à direita… mas Tico e Teco se entenderam, afinal, oitavo andar não anima passarinho sem asa. 🙁
Cogitei chamar um chaveiro-resgate 24 horas e o zelador sugeriu que eu esperasse a manhã seguinte.
– Nem morta, Seu João, presa aqui eu não durmo!
E se o prédio resolve pegar fogo? E se eu acordo no meio da noite com um desejo incontrolável de comer açaí com banana? E se eu quiser correr sozinha de toalha pela rua? Eu sou livre, que droga de chave, cadê o Super Mouse?
Um minuto de silêncio, coração aos pulos e um plano improvisado.
E foi um rolinho de fita azul abandonado na última gaveta que me salvou. Amarrei a chave na pontinha, pedi ao zelador que esperasse lá embaixo e desci a bichinha pela janela lateral, no maior estilo Rapunzel da chave.
Missão cumprida, a chave girou e eu estava livre.
Viva o zelador!
!!!
E ninguém precisa saber que na manhã seguinte eu passei uns bons minutos tentando destrancar a fechadura que já tava aberta, né?
PS. dê valor àquelas “tranqueiras aparentemente inúteis” que ficam no fundo das últimas gavetas. Elas podem te salvar um dia 🙂
– Daí todo dia ela pega aquele mesmo ônibus. Sempre quieta, na dela, sabe? Quando eu decido finalmente puxar papo, o cobrador me avisa que ela é muda. Pô, cara, acabou com a minha paquera de dois meses!
– Putz, véi. Maé gata?
– Ah é!
– Então o que tu tá esperano pra aprendê a linguagem de sinal?
– Você acha?
– Ou tu prefere voltar com a ex que fala pelos cotovelo? Cé besta? Mulhé muda é bença!
…
#vou_tecontar que almoço na Vila Olímpia sempre rende.
Sábado de manhã. Espera sonolenta pra conseguir vaga no estacionamento de um centro médico em São Paulo.
#vou_tecontar que quando eu estou pegando o ticket com o manobrista, um carro praticamente “invade” a rampa e um jovem motorista desce “quente”.
– Ei, você tirou o cone de lá? Não pode, tá lotado (avisa o manobrista).
– Não quero saber, eu sou médico aqui. O resto é problema seu (e bate a porta do Palio).
– Mas não tem vaga. Não cabe! (se desespera o manobrista).
– Se vira, eu tenho mais o que fazer (pega o jaleco no banco de trás e sai andando).
Nesse momento eu já estou dentro do elevador, a porta fechando, mas ele mete a mão e entra.
E ignora o ticket do estacionamento que o manobrista tenta entregar, em vão, pelo vão.
A porta fecha. E eu não me aguento.
– Seu nome é?
– Fábio. Dr. Fábio. Por quê?
– Só pra eu lembrar. De nunca passar em consulta com você. Bom dia.
E ainda bem que eu desci logo no primeiro andar.
Ou estaria aqui escrevendo “o dia em que apanhei no elevador”.
…
Deixo aqui uma sugestão de trilha sonora pra inspirar o Dr. Fábio. Quem sabe um dia, né?
Desembarquei no aeroporto JFK. Finalmente tinha chegado o meu dia. Dia de botar o pé em NY e de ver “qualé que é”. Afinal, o que é que essa cidade tem que planta uma maçã no coração da gente?
Fui lá ver.
E hoje, 18 de setembro de 2015, faz exatamente um ano disso tudo. Tá rolando uma nostalgia, uma saudade, uma vontade louca de me teletransportar pra Manhattan em 3…2…1.
Mas não vou ficar aqui falando do quanto NY é incrível, vibrante e contagiante. Talvez isso você já saiba. Se não sabe, já leu por aí. Se não leu, ouviu relatos ou viu as figuras.
Eu #vou_tecontar como eu me senti ao voltar de NY.
Então segura aí um textinho que eu escrevi quando acordei de novo em São Paulo. Acho que o retorno de uma viagem dá a medida exata do impacto da experiência na vida da gente. Mais do que isso: ajuda a entender o que é que faz sentido.
Hoje fui ao mercado e sabia onde tava tudo. Conhecia as marcas nas prateleiras e pude identificar facilmente cada item. Eu entendia 100% do que escutava no entorno, a conversa das pessoas, as reclamações sobre os preços, os murmúrios, as discussões de casal. A moça do caixa não me perguntou como eu estava me sentindo e se tenho o cartão da loja. Ela perguntou se eu queria CPF na nota. Eu não comi cupcake no café da manhã, não vi a manchete do The New York Times, não passei pelo Central Park, nem peguei o metrô com aquele medinho de errar. Hoje eu não olhei pro alto mais do que pro chão. Eu dei bom dia pro zelador, vi os velhos buracos na calçada e virei a esquina pro lado certo. Não tinha cores do outono nem decoração de Halloween no meu caminho. Hoje eu não planejei ver uma peça. Não visitei um bairro desconhecido. Não saí de roupa amassada e não comi nada que eu nunca tenha experimentado antes.
Hoje não fez muito sentido.
…
E deixo aqui uma trilha sonora clássica pra inspirar. Porque NY é um clássico. Tipo Sinatra. Que sempre alegra a vida da gente. 😉
Foram 17 dias intensos. Acordando, tomando café-da-manhã, almoçando, jantando, dormindo… tudo juntos. Até que chegou o momento inevitável. O dia em que ele pegou um avião, cruzou o atlântico e voltou pra casa. Dele.
E #vou_tecontar que então tudo virou silêncio. Um só pote de sucrilhos na mesa. Nada de toalha molhada em cima da cama. Ninguém pra disputar a coberta. Ou pra conversar enquanto o sono não vem.
A casa estava vazia. Dela.
E esvaziou-se como uma atração turística após o expediente. Como um museu de grandes novidades depois que os visitantes vão embora. Como um palco quando terminam os aplausos, as luzes se apagam e alguém bate a porta.
Estava mais sozinha do que sempre. Mais esgotada do que a Cantareira. Mais na ressaca que no seu maior porre. Mais loser que aquele funcionário que sempre fecha a firma bem depois do expediente – porque não consegue dar conta no tempo regulamentar.
Era o fim.
Das férias.
Dele.
Um desfecho esperado, afinal, era paixão de verão. Era verão no hemisfério norte. E talvez eles nunca mais se verão. Talvez estejam condenados a viver como um trocadilho infame, que não se pode repetir porque soa mal. Como uma bota que não combina com o cinto e faz o look ruim.
Três da tarde. Hora de levantar, reagir, seguir em frente. Afinal, foram 17 dias e não 17 anos.
Uma rápida limpeza na casa, um breve surto de arrumação. Ela sempre acreditou que a organização também pode acontecer de fora pra dentro. Gavetas em ordem são um ponto de partida pra cabeça no lugar.
Lista de compras na mão, seguiu pro mercado. Na fila, viu que a moça do caixa conversava com um homem. Pareciam não se entender, ela estava contrariada. “Te pego na saída e acertamos os detalhes”, ele avisou.
Torrada, ricota, suco de caixinha, sucrilhos, capuccino. Cada item se arrastava na esteira lentamente, com o mesmo peso e preguiça que ela foi de casa pro mercado; como a moça do caixa passando os produtos vagarosamente pelo leitor do código de barras.
Opa, passou o mesmo produto duas vezes. Para tudo, chama a gerente, cancela, continua. A moça do caixa parecia abalada.
Estaria tão triste quanto ela?
E nesse caso a ordem das pessoas não altera a pergunta.
R$ 87,90. CPF na nota? Pagamento no débito. Ah, digitou crédito. Começa de novo.
“Desculpa, moça. É que tem dias que a vida pessoal interfere no trabalho da gente”, falou a caixa, cabisbaixa.
“E eu não sei?”, respondeu ela, errando a senha.
Nesse instante se olharam.
“É que ele terminou comigo, depois de 17 anos pediu o divórcio”, revelou a caixa, num suspiro.
E então escorreu uma lágrima.
De uma.
E de outra.
Se encontraram num choro triste e doloroso. Ali, bem no caixa do mercado, numa quarta-feira de inverno qualquer.
Constrangida, pensou em colocar os óculos escuros pra evitar que outros clientes vissem o pranto. Mas achou que seria indelicado com a moça do caixa. Deixá-la chorando sozinha nesse dia tão difícil. Afinal, foram 17 anos e não 17 dias.
“São R$ 87,90”, repetiu a caixa, engolindo o choro, o nariz vermelho.
Transação aprovada.
“Posso te dar um abraço?”
A caixa assentiu. Solidárias, se despediram entre ecobags.
E já na volta pra casa é que se deu conta. Nem perguntou o nome dela.
Mas tudo bem. Logo mais será verão no hemisfério sul.
Aguardem.
.
E enquanto o dia dela não chega, te deixo com esse vídeo aqui:
Cansa de tomar buzinada de maluco quando dá seta e reduz a velocidade pra entrar na garagem de casa. Cansa de tomar xingo de idiota porque seu prédio não tem recuo suficiente pra esperar o portão da garagem abrir sem atrapalhar a passagem. Cansa de botar o braço pra fora do carro, em vão, quando vê um apressadinho se aproximando a milhão.
Então, nesse dia, você sabe que não deve, mas perde a linha – da boa educação e do Equador.
Você para o carro no meio da rua, abaixa o vidro do carro, abraça a cangaceira que existe em você e despeja o latim de quinta categoria.
Como se fosse a sua última missão nessa rotina de sertão.
“C@&@/#&, eu reduzo a velocidade e dou seta, vc quer que eu solte fogos de artifício pra avisar que moro nessa $#&&@ de prédio e preciso entrar na m€#&@ da garagem que não tem uma £&$/@ de recuo? Precisa apertar a p#&&@ da sua buzina em cima de mim? Vai se *&€%!!!!! (assim, com vaaaaaárias exclamações)
E nesse dia há um silêncio.
Um homem – o malfeitor – te encara com os olhos arregalados. Visivelmente desconcertado, balbucia alguma coisa, pede desculpas, se justifica.
Em pensamento você logo se arrepende, imagina o risco de brigar na rua. E se ele tem uma arma? E que feio, que deselegante, que falta de equilíbrio, gente, essa não sou eu. Podia ter xingado uma vez só, baixinho.
Daí ele bota a cara pra fora da janela e diz que você é muito brava – com acento no MÚ.
Mas muito linda – com acento no LÍ.
Encerrando a função laundress, abaixo o varal já lotado pra estender a última peça de roupa.
#vou_tecontar que tava tudo lindo até eu me superar na função clown.
Fronha que nada! Agora eu derrubo é pantufa pela janela!
E lá se foi o coelho oito andares abaixo.
Ele que encarou a máquina de lavar ontem e estava cheirosinho em cima do varal, perto da janela pra pegar um (possível) sol.
Ele que mora no sofá e abriga os controles da TV e da Net.
Que outro dia até sofreu calado o ataque de um cão visitante.
Pobre coelho, despencou.
De orelha foi ao chão.
E lá fui eu fazer o resgate.
No maior estilo “foi sem querer, tomara que não tenha ninguém olhando”.
Sem testemunhas, ufa. Agora só vocês sabem.
E o coelho passa bem.
“É um peeling de ácido retinóico”, me disse a doutora. “Você vai estranhar um pouco no começo, mas depois vai adorar o resultado”. Do jeito que ela falou, explicando o procedimento, acho que eu era a única mulher no mundo com mais de 30 que nunca fez um desses na vida. #vou_tecontar que me senti uma Pug desleixada.
E antes que você continue a ler essa história, sugiro clicar nessa trilha sonora óbvia aqui. Se você tiver a minha “faixa etária”, vai te fazer viajar no tempo:
Ok, topei. Vamos lá, se é pra bem, que mal tem? Preciso me cuidar, afinal de contas, já basta andar por aí largada e descabelada. E tava incluído no valor da consulta. De graça tudo fica muito mais legal, né?
Ela pincelou uma gororoba na minha cara e me mandou pra casa. Disse pra eu lavar o rosto dali quatro horas, impreterivelmente. Beleza, vai ficar uma beleza. Anotei todas as recomendações para os próximos 7 dias, quando eu voltaria a ter 27 anos (uhu).
“Compra a água termal, vc vai precisar”. Ok. La Roche Posay. “Se for sair, protetor 70 oil free”. Uhum.
Lavei o rosto na hora certa, tudo nos conformes, ainda era eu. À noite foi me dando um esquentamento. Uma vermelhidão. Mas tudo bem, ela tinha me avisado como seria.
Na manhã seguinte tinha uma figura estranha no espelho. Trocaram o meu rosto por um tomate enquanto eu dormia. Estava redonda e vermelha. “O segundo dia será o pior dia”, me lembrei da explicação. Beleza. Vai passar e voltarei a ter 27 anos.
Fui até o mercado. No trajeto, na fila dos frios, no caixa e a cada olhada que me davam eu quase escutava: “olha a idiota que foi pra praia e não usou protetor”. Devia eu contar que só uso 70?
Deixa pra lá, posso dizer que estava doidona em Ibiza se alguém me perguntar.
Eu toda encapotada no inverno paulistano e o termômetro do meu rosto marcava 40 graus. Ou mais. Uma borrifada de água termal pra me aliviar e a mulher ao lado manda: “É peeling, né?”. É, pois é, respondi, procurando uma brisa ou uma geladeira de sorvete nas proximidades.
No dia seguinte, eu já estava craquelenta, cheia de repuxamentos. Em seguida começou um descascamento incontrolável.
Numa visita à livraria pude sentir os olhares e questionamentos dos homens à minha volta: “Será que ela é doente? Será que isso pega?”. O moço do caixa, muito educado, fingia que estava tudo normal. Disfarçava enquanto provavelmente tentava entender a razão daquela pele pulando do meu nariz.
Acho que nesse dia entendi exatamente o que sentem as pessoas com deficiência sobre os olhares externos e a reação de pessoas que ignoram o que está evidente. É desconfortável quando te sorriem e fingem que não há nada de diferente quando, na verdade, há.
É tipo quando a gente olha pra alguém muito vesgo e não sabe em qual olho focar, mas disfarça, sabe assim?
Estranho e constrangedor.
Acho que é por isso que a doutora me disse que as pacientes geralmente fazem peeling nas férias, feriados, ocasiões em que ficam trancafiadas dentro de casa pra ninguém ver a cara delas. Depois voltam lindas e radiantes, os amigos elogiam e elas dizem que a pele tá boa porque são felizes e “bem amadas”.
Safadas.
E, vou te dizer, colega, não há água termal, base líquida ou protetor que disfarce um peeling desses. Parece que seu rosto quer se soltar de você, cair numa corrente de vento fresca e ganhar os sete mares.
Gente, nem quando eu tinha 10 anos e esquecia de repassar o protetor depois de horas na praia ficava desse jeito. Por que é que a gente faz isso com a gente?, pensei. Daí lembrei dos 27 anos e tratei de calar a consciência.
E não quero ficar reclamando muito porque já ouvi dizer que depois dos 40 ou 50 o peeling (mais forte ainda) deixa a pessoa com cara de quem se esfregou no asfalto. Gente, precisa?
Hoje eu acordei mais leve. Tinha bastante pele no meu travesseiro e, sabe, pele “velha” pesa, né? E junta ácaro. Então tratei de lavar logo a fronha e o rosto.
Agora tá melhor. Tô aqui esperando pra ver se em três dias voltarei a ter 27 anos.
Mas hoje ainda me sinto com 37. E no fundo eu sei que continuarei com 37. Com as mesmas crises, dúvidas e questionamentos de 37.
E, cá entre nós, completamente sem saco pra essas coisas de mulherzinha.
…
E pra lembrar que juventude e velhice não têm nada a ver com idade, deixo você com esse vídeo aqui: