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Cabeleira, cabeloira

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Os primeiros cabelos brancos costumam ser alvo de maus pensamentos das mulheres. São o primeiro indicativo concreto – ao vivo e sem pigmento – de que o gráfico da vida vai se inverter e a queda é inevitável. Dramático, mas bem real.

O branco aparece, a gente arranca. Diz a lenda que nascem sete (7!) a cada um (1!) que é assassinado. Deve ser verdade pois, conforme negamos, um a um, eles se multiplicam rápido pela cabeça. E #vou_tecontar que eles judiam quando começam a se destacar mesmo com o cabelo molhado, vários, espetados, rebeldes. Nessa etapa, arrancar já não é mais uma opção. O prata grita no espelho e não, não dá efeito glamour.

Nada contra pintar o cabelo, mas não acho uma boa ideia ser sócia da L´Oreal desde já e pra vida toda. É um contrato indesejado, desvantajoso, quase cruel. E os efeitos cumulativos da tinta sobre o cabelo são como os do tempo sobre a pele… sem volta. Ressecamento, queda, opacidade… e não adianta dizer que o mercado evoluiu e as tintas de hoje tratam os fios e bla bla bla whiskas sachê. Estraga. É ruim.

Sem falar na preguiça de incorporar um novo ritual à vida, já tão cheia de procedimentos. Frequentar $alão na obrigação pra manter a cor natural e esconder a famigerada raiz dá deprê. É pagar pra parecer que você continua exatamente igual. E, vamos combinar, aquele efeito artificial-barato-caseiro-amarronzado-acobreado-cafoninha de farmácia não rola.

Loira oxigenada deve penar bem menos nesse momento da vida. Habitué dos salões, talvez nem realize a invasão dos brancos bárbaros. Já nem lembra mais a exata cor natural dos fios mesmo. E está sempre com o pincel na cabeça mesmo. A rotina não muda mesmo. O bolso já acostumou mesmo. O espelho já nem liga mesmo. Não é mesmo?

Tenho lembranças da minha mãe com reflexos – moda nos anos 80 para disfarçar a passagem dos anos. Linda, bem cuidada, com pele e olhos realçados, aparência saudável. Mas isso foi no tempo das ombreiras, gente. Viramos o milênio e ninguém ainda foi capaz de evitar esses malditos despigmentados? Como é que pode? Murphy sempre de plantão: não herdei a beleza de miss da minha mãe, mas herdei a tendência ao branco precoce e o mau colesterol. Maravilha.

Em busca de alternativas, uma consulta à cabeleireira e o diagnóstico fatal: mulher não fica velha, fica loira. Melhor você fazer luzes suaves, não muito claras… fica discreto, dura bastante, não compromete e disfarça bem. Nessa hora senti uma paulada. Como se estivessem me empurrando pro abismo da loirice, sem chance de defesa, sem um cipó pra me agarrar, de onde eu gritaria “me tirem daqui!”

E, desde então, vinha adiando a medida, da mesma forma que adio o laser facial, o bloqueador 50 (ainda estou no 30), o ômega 3, o Yakult 40. Na primeira versão desse texto, de 2011, eu achava que de 2012 não passaria. E eu imaginava várias vezes como seria. Aquele cheiro de tinta, o papel alumínio, os minutos de espera e o choque de me ver velha, ops, iluminada. Eu olharia atentamente pra imagem no espelho, procurando Dori. E diria: cadê eu? Eu me quero de volta.

Teimosa que sou, durante quase 5 anos eu me segurei firme no tonalizante castanho eventual. Me agarrei ao argumento de que não tenho alma loira e que algumas sessões de luzes = uma passagem aérea. Busquei honradez na despigmentação paulatina, lutei ferozmente por uma transição suave, cogitei pratear. Acreditem, eu resisti bravamente até meados deste ano.

Até que, vencida pelo espelho, pela recorrência desgastante, entreguei os pontos e os fios aos cuidados da colorista. Saí iluminada por fora e sem passagem aérea nas mãos.
Naquele dia e nos dias seguintes, eu falei: cadê eu?

Depois passou.
Porque é mesma alma por dentro.

Sabe, eu acho que resiliência é uma lição do tempo.
E o pigmento é certamente o menor dos meus dramas hoje.

 

PS. E se vc tá achando que eu fiz um texto animador, tá enganado, viu. Eu só quero dizer que tem merda bem pior rolando. 😉

 


Foto: arquivo pessoal.

Dia dos Pais e a menina da fotografia

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Esses dias eu estava esvaziando um HD antigo e encontrei a última foto com meu pai. #vou_tecontar que foi a primeira vez em 9 anos que consegui olhar pra ela sem me debulhar em lágrimas e soluços incontroláveis.
Derramei lágrimas, sim, mas além da saudade apertada, vieram muitas lembranças boas. Porque eu dei muita sorte com pai nessa vida.

E hoje, nesse clima de Dia dos Pais, eu olho pra primeira e pra última foto de nós dois juntos (talvez até exista outra primeira, mas eu só tenho essa), e me lembro de quantos momentos bons tivemos. E do quanto ele ainda está presente na minha vida. De como eu quase escuto a sua voz de vez em quando, fazendo uma piada, me dando um conselho.

Eu não me recordo da primeira foto, claro, eu só tinha 2 anos. Mas me lembro de um pai presente, carinhoso, cuidador, paciente, que me ensinou a caminhar na vida e sempre esteve ao meu lado em qualquer circunstância.

Da outra foto eu me lembro exatamente, e com detalhes. Foi em março de 2007, registro de um celular Nokia velhinho que eu tinha em mãos nos últimos dias que passamos juntos. Era o fim de um período em que os papeis se inverteram e eu tive a chance de poder cuidar, amparar e tentar suavizar dores físicas e emocionais (nem sei se mais as dele ou as minhas).

De alguma forma eu queria retribuir minimamente o pai incrível que ele foi, estando ao seu lado, fazendo o possível e o impossível pra tirar seu sofrimento, para dar alívio e colocar um sorriso naquele rosto, que tantas vezes me fez sorrir só por existir.

E por mais que tenha sido um período terrivelmente difícil, sim, ele sorria, ele fazia piada, ele tinha paciência e tornava tudo mais leve.

Eu tinha 29 anos quando disse alto pela última vez:

– Pai, eu amo muito você. Você é o melhor pai do mundo, nunca se esqueça disso. E quando você acordar, a gente vai fazer um passeio bem gostoso.

Ele não acordou.

Mas a verdade é que, lá no fundo, essa menina de 2 anos da fotografia vai esperar pra sempre.

<3

Com as boas lembranças. Que são lindas.
Feliz Dia dos Pais.

 


Foto: arquivo pessoal.

O mistério da meia desaparecida

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Os dias em São Paulo têm sido frios. Muito frios. Não sei você, mas eu sofro no frio. Abomino dormir sem poder me mexer direito na cama porque na área ao lado existe um iceberg. E sem poder levantar pra ir ao banheiro sem desejar uma bexiga extra nem que me custe o dobro. A verdade é que, pra mim, se passou de um edredom virou Alasca.

Não me entenda mal. Frio pode, sim, ser legal. Mas não na rotina de São Paulo, numa vida sem preparo nem calefação. Frio é legal em Paris, Londres e Nova York. Frio é legal quando você tem 2 Kg a menos pra comer fondue de chocolate sem dó. Garrafas de vinho bom e fígado em dia. Ponto.

Dito isso, preciso dividir com você um acontecimento, no mínimo, curioso, pra não dizer logo misterioso: #vou_tecontar que um pé de meia sumiu. Desapareceu. Sem deixar rastro nem bilhete.

E não foi na máquina de lavar (porque eu sei que máquinas de lavar possuem um portal que levam meias desparceiradas para o fantástico mundo das meias e nunca mais devolvem. Lá elas se libertam de suas obrigações sociais e formam novos pares, sem restrições de cor, tamanho ou origem).

Pois bem, vou explicar o caso pra que você possa me ajudar, quem sabe, a decifrar. Ou terei que chamar Sherlock.

Ocorre que ontem estava frio, como você deve saber. E eu usava uma meia quentinha pela casa, de modo que tava tudo sob controle com meus pés. À noite, na hora de tomar banho, eu tirei a calça antes de tirar a meia. Deixei a meia por último porque meus pés ficam gelados muito facilmente.

Daí que a calça engoliu a meia. A meia do pé direito escorregou e foi ao chão. Mas a meia do pé esquerdo não. A meia do pé esquerdo desapareceu na calça. De início, eu achei que ela tinha ficado presa na perna da calça e seria facilmente resgatada. Virei do avesso. Nada. Olhei pelo chão, debaixo da cama, atrás da mesinha (quem sabe teria sido arremessada à distância)… pois nada.

Cara, a meia SUMIU!

Pois fui tomar banho, peguei minha mantinha, tomei um chazinho, respondi e-mails. Pensando na meia. Antes de dormir, procurei de novo. Porque às vezes a coisa tá no nosso nariz e a gente não enxerga, né? Nada. Eu dormi pensando naquele pé de meia. Capaz até de eu ter sonhado com uma meia rindo da minha cara.

Hoje cedo, vasculhei o quarto novamente. Que raios, onde foi parar essa droga de meia? A janela nem tava aberta pra ela escapar! O fato é que agora o pé de meia direito está sozinho. Sem par. Descombinado. Praticamente um inútil em sua existência “meiística”.

Sim, eu tenho outros pares de meia. Vários. Quase todos iguais, inclusive. O que me incomoda não é “abrir mão” de um par de meia ou usar meias descombinadas. O que me incomoda é esse desaparecimento sem explicação. Essa piadinha de duende. Essa tiração de sarro de espírito de porco. Esse desafio à minha sanidade mental em pleno dia se semana.

Pô!

Daí, quando a diarista chegou, eu apresentei o pé direito pra ela e disse: se você encontrar o outro pé dessa meia aqui, ganha um doce. Ele está desaparecido desde ontem, por volta das 20h30, no meu quarto. Valendo. Boa sorte!

E saí pra trabalhar. Com meias listradas e compridas. Porque são mais difíceis de escapar. Acho.

Agora tô aqui sentada, na frente do computador. E adivinha o que não me sai da cabeça?

 


Foto: apartmentguide.com

Horinha do adeus

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Eu assinei um papel. Depois desejei boa sorte.

E fiquei parada na calçada, olhando ele se afastar rapidamente até dobrar a esquina. Então eu dei meia volta nos calcanhares, respirei fundo, caminhei algumas quadras e peguei o metrô. Assim eu me despedi do meu velho carrinho hoje na hora do almoço.

#vou_tecontar que detesto despedidas.

Ainda que seja só um carro, sim, é só um carro, mas era o meu carrinho-amigo.

E enquanto eu caminhava, lembrei do quanto ele foi parceiro, do quanto caminhamos juntos.

Mais de 5 anos e 30 mil quilômetros. E olha que ele já não era um jovem quando veio pra mim. Era um adulto de 60 mil quilômetros rodados e 6, 7 anos de uso. Eu vinha de uma sequência de dois carros furtados, sustos e um baita prejuízo (felizmente apenas material).

Logo que eu comprei, minha avó me deu essa proteção (foto), que habitou o retrovisor desde então. Hoje, quando eu a tirei de lá, apenas agradeci. Com a energia do que representa (cada um com a sua crença), com o bem-querer da minha avó, com o pensamento positivo, ele me trouxe uma fase melhor.

Finalmente com esse carro eu tive sossego sobre rodas. Nunca me desapontou nem deixou na mão. Passou em todas as inspeções veiculares (sem ter que estudar), me levou e me trouxe de tudo quanto foi lugar (sem reclamar). Me escutou rir e chorar. Passou no farol verde, amarelo e até vermelho (culpa minha). Andou na terra, no paralelepípedo e no asfalto. Tomou algumas multas de velocidade, de rodízio e uma de estacionamento proibido.
E nunca se queixou.

É ou não é um super brother?

E quando eu esvaziei a carteira de documentos, ainda achei uma listinha de desejos para 2010 (!), que ficou guardada ali. Rapidamente pude verificar, item por item, quantas coisas boas eu realizei de lá pra cá…

– terminar a pós-graduação (check);
– pintar o apartamento
da mami (check);
– ter mais vida social (check, mas precisa melhorar);
– sorrir mais (check);
– rir muito mais (check);
– mais saúde (check, tirando a dengue);
– praticar mais atividade física (check, pilates always);
– emagrecer 2Kg (fail, as always);
– viajar mais (check, 2011 teve Europa 😀 );
– tirar férias (check, mas falta melhorar aqui);
– trocar de trabalho (check naquela época);
– seguir em frente com independência (as always); 
– ser mais generosa (check, assim espero);
– ver minha família mais feliz (check, acho);
– trocar de carro (cá estou eu novamente, veja só);

e outras coisitas mais, que eu guardo aqui pra mim.

É isso.
Vida que segue.

Vai, carrinho, vai fazer alguém feliz.
Obrigada pela caminhada and Don´t Stop!

😉

Sobre persistência e a elegância de voar sozinho

Bem-te-vi - pitangus sulphuratus, pelas lentes do meu Tio-fotógrafo-passarinheiro Marco Guedes.
Bem-te-vi (pitangus sulphuratus), pelas lentes do Tio-fotógrafo-passarinheiro Marco Guedes.

 

Manhã de feriado, 21 de abril em SP, 8h50.
Bem-te-vi.

Um bem-te-vi perto da janela chamava. Ninguém respondia.
Tentou uma, duas, três. Nada.
Silêncio.
Insistiu. Uns 4 minutos.
Em vão, cantou na solidão.
Uma melodia que ninguém completou. Nem pássaro, nem gente.
Sabe como é: um fala, outro responde e alguém manda a frase completa? Então, #vou_tecontar que não teve.

Sua tentativa solitária foi enfraquecida por periquitos em algazarra. Aquela gritaria de comadres, sabe?
Uma falando em cima da outra, levantando a voz, ninguém parece se entender, mas depois fica tudo bem.
Alguém sabe se periquito tem ascendência italiana?

O fato é que a turminha – se bem me lembro, o coletivo de passarinho deve ser revoada ou passarada, mas vou chamar de turminha mesmo – , a turminha tinha pulmão.

Mas fiquei mesmo é pensando no bem-te-vi.
Falando sozinho numa manhã encalorada de feriado outonal.
Foi de uma persistência admirável.
Louvável.

E melancólica.

Logo sua fala foi duramente abafada pelo som de um motor histérico. Tipo uma Brasília velha na ladeira.
Mas se esse modelo de veículo automotivo te remeteu de alguma forma ao Planalto Central, por favor esquece. Pensa num fusca velho e tudo bem. Ou num cortador de grama.

O bem-te-vi enfim soube que era hora de desistir.
De seguir em frente e, com elegância, apostar num voo solo.
Esperto o bem-te-vi.
Mais esperto do que muita gente.

 


Foto: Bem-te-vi (pitangus sulphuratus), por Marco Guedes.

O desastre sou eu

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Eu derrubei suco de uva no tapete da sala. Chutei o copo. Tenho mania de deixar copo no chão, ao lado do sofá, sabe? Chutei o copo e ele virou. #Vou_tecontar que o suco derramou todo em cima do tapete, por entre o barbante e ainda escorreu todinho pelo chão. O copo estava cheio. O suco era bom.

E de repente eu tinha 10 anos de idade. Olhando aquele suco arroxeado que eu derrubei em cima do tapete da minha mãe. Na sala de casa. Era noite. E a sensação foi exatamente igual. Um choque percorreu o meu corpo quando vi o do líquido roxo sobre o tapete claro. O estrago feito. Será que mancha?

Hoje existe Vanish, o poder O2. Quando eu tinha 10 anos, não.

Eu tinha 10 anos e a culpa não foi minha. Foi ela que me provocou. A irmã mais velha, claro.  E ainda fez terror psicológico. Disse que a mancha não sairia nunca mais. Que a mamãe ia ficar muito brava. Que o tapete era de estimação. E que ia dizer que eu fiz de propósito. Foi tanta informação que eu escrevi uma carta. Uma carta pra minha mãe. Pra quando ela chegasse da festa, tarde da noite, soubesse por mim a verdade dos fatos. Lembro que escrevi com lapiseira 0.5, contei que não tive culpa e pedi que me perdoasse. 

Tentei ficar acordada pra explicar a carta. Criança redundância. Só que não aguentei. O sono venceu. Mas eu dormi com medo. Não da bronca, mas da decepção da minha mãe pelo meu desastre.

Hoje também foi um desastre. Mas hoje foi tudo culpa minha. Eu sou o desastre do tapete da sala, agora meio roxo, dentro do balde, com sabão em pó e Vanish poder O2.

Eu sou um desastre e de repente parece que os meus copos derramam para além dos tapetes, com gotas que não saem com o poder limpador e deixam marcas por toda parte.

A minha mãe não liga pro tapete da sala, acho que nunca ligou. Ela não brigou, não se decepcionou quando eu tinha 10 anos. E na casa dela hoje nem tem tapete. Mas o meu tapete de barbante foi ela que fez. Esse que tá dentro do balde, ainda meio roxo (acabei de olhar) com sabão em pó e Vanish poder O2 (dei uma chacoalhada pra ver se rola um efeito).

Mãe, a culpa foi minha. Hoje foi. 

Eu não tenho lapiseira 0.5, mas tô escrevendo no iPad. 

E toda vez que eu chuto um copo ou meu copo transborda, eu tenho insônia. Só quero não me decepcionar com o meu desastre. Como quando eu tinha 10 anos. 

Naquele tempo não tinha Vanish poder O2. Mas era tão mais fácil acordar no dia seguinte.

 


Foto: Vanish Brasil.

PS. Juro que não tem jabá. Mas depois eu conto se a mancha saiu.

 

 

 

 

Da série Vale Refeição – episódios anteriores

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Depois de um longo e valoroso home office, volto a almoçar na Vila Olímpia alguns dias da semana.

Logo na primeira sentada no quilo já passa um filminho na cabeça. Tipo um remember com as cenas mais emocionantes dos episódios anteriores, aquela coisa que rola antes de começar uma nova temporada, sabe como é? 

Então achei oportuno resgatar três dos ‘melhores momentos’ da Série Vale Refeição

É uma série independente que não tá na Netflix, só na minha cabeça mesmo. Mas eu #vou_tecontar tudo aqui! 

E antes que você credite os meus relatos à inveja PJ do VR alheio, antecipo: eu nem queria mesmo!

Mas acabei de lembrar por que foi que eu comecei a levar marmita pro trabalho.

Pega aí:

 

QUE MUNDO, AMIGOS!

Almoço na Vila Olímpia. Na mesa ao lado, executivos: um homem e três mulheres. De repente, o papo muda de rumo e o assunto vira o filho de alguém. 

O homem:

“Agora o moleque não sabe se quer cinema, artes cênicas, essas coisas aí. Maior besteira. Não tem que fazer faculdade dessas coisas. Se quer fazer coisa de arte, se não tem jeito, que faça cursos variados, fora do Brasil. E, olha, se depender de mim não vai fazer. Depois vira petista frustrado e vai pra rua fazer manifestação. Ou vira jornalista”.

Acelerei a garfada. Pra segurar a boca.

Que mundo, amigos. 

Que mundo.

 


MULHÉ MUDA É BENÇA

Almoço na Vila Olímpia. Fila no caixa. Dois funcionários conversam:

– E todo dia ela pega aquele mesmo ônibus. Sempre quieta, na dela. Quando eu decido finalmente puxar papo, o cobrador me avisa que ela é muda. Pô, cara, acabou com a minha paquera de dois meses!

– Putz, véi. Mas é gata?

– Ah é!

– Então o que tu tá esperando pra aprendê a linguagem de sinal?

– Vc acha?

– Ou tu prefere voltar com a ex que fala pelos cotovelos? Cé besta? Mulhé muda é bença!

(…)

 


CHARLIE SHEEN DA VILA OLÍMPIA

Almoço na Vila Olímpia. Restaurante novo, assunto velho. Na mesa de trás, três homens na faixa dos 40 e duas mulheres na faixa dos 30.

Homem 1 – …daí eu levo pro matadouro, que é o meu apartamento, e pronto. As de 35, 37 que têm filhos querem casar, querem estabilidade.

Homem 2 – Enchem o saco, né?

Homem 1 – Tem que saber levar, cara. Já as outras nessa faixa são as melhores. Mas dão trabalho. Porque são exigentes, cheias de vontade, não aceitam qualquer coisa.

Homem 2 – Aí vai uma energia.

Homem 1 – Teve uma de 26 e outra de 28 que eram mais fáceis. Uma delas era um avião e eu até tentei namorar um tempo. Era boazinha e tal. Meio burrinha, mas não me dava trabalho. Só que não rolou.

Homem 3 – Cara, você é o nosso Charlie Sheen!

Homem 1 – Por isso eu decidi que vou ser um solteirão frustrado mesmo. Investi no carro, no apê bacana, que impressiona a mulherada quando chega lá, cê precisa ver, e sigo no matadouro.

As mulheres da mesa?
Riram – alto.

Eu?
Tô cogitando trazer marmita pro trabalho.
Economizo pras férias e ainda faço uma dieta.

 


Fica aqui uma possível trilha sonora para acompanhar esse remember.  Mas vou deixar solta. Não me peça para enveredar por alguma teoria psicanalítica e explorar o que são essas aspirações do desejo, necessidade e vontade. De comida, bebida e tal.


Foto: diap.org.br

 

O primeiro dia do resto das minhas férias – só que não

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Não, eu não tô de férias. Não tá tendo férias em 2015. =(
Mas em 2014 teve.
E eu resgatei um textinho do meu primeiro dia de férias.
Porque achei que seria interessante comparar alguns pensamentos de fim ano, tipo um FlaXFlu de 2014X2015. Na esperança de que eu possa concluir que essa sensação de que 2015 se arrasta e insiste em fazer estragos seja apenas fruto do esgotamento físico e mental que humanamente nos acomete nesses tempos.

Então vamos lá.
Eu #vou_tecontar como foi em 2014:

“O primeiro dia do resto das minhas férias.
Acordo com calma, faço uma hora de preguicinha na cama, coloco uma música, escancaro as janelas para o sol entrar e preparo um café sossegado. Uma chuveirada e, pluft, é meio dia.
Lindo! Como a vida deve ser. Sem trânsito, sem más notícias, sem telefone tocando, sem e-mails na caixa de entrada.
Saio para resolver as últimas burocracias de 2014. Eba.
Daí chove.
E eu tô sem guarda-chuva.
Ahhhh, mas tá valendo, eu tô de férias! Vale tomar chuva, vale andar por aí molhada, descabelada.
Daí eu lembro das janelas.
E eu tô longe de casa.
Ahhhh, mas tá valendo, eu tô de férias! Vale um chão molhado, vale passar um paninho e fica tudo certo.
Daí rola uma ventania e a rua começa a alagar.
E eu tô sem galochas – eu não tenho galochas.
Ahhhh, mas tá valendo, eu tô de férias e a Cantareira tá precisando muito dessa água!
Daí, em razão das condições meteorológicas adversas, decido interromper as atividades temporariamente e voltar pra casa.
Só falta sacar o dinheiro e… é quando o caixa eletrônico bloqueia a minha senha. Ele alega que eu errei três vezes, sabe como é? Cara de pau porque eu digitei a senha corretamente, juro que aqueles números são a minha senha. Só que com caixa eletrônico não tem conversa e sou obrigada a pegar fila para registrar uma nova senha.
E eu saio do banco driblando sacos de lixo navegantes e afundando minha sandália preferida naquela água marrom que toma conta da calçada.
Mas tá tudo sob controle. Eu tenho uma nova senha. E eu tô de férias.
Daí, eu chego no prédio e não tem luz.
Ok, hora do exercício.
E eu subo oito andares de escada, escorrendo, e vejo a cara do faxineiro que acabou de passar pano nos corredores. Sorrio sem graça e me desculpo três vezes. Eu tô de férias, repito.
Daí eu chego no apartamento e tem uma multa me esperando na porta.
E eu decido não pensar nisso até janeiro. Afinal, eu tô de férias.
Daí eu entro e começo a vistoria:
Cozinha – da fruteira ao liquidificador, tudo aguado.
Lavanderia – vou ter que lavar de novo tudo o que tá no varal. Mas a árvore da felicidade e as orquídeas passam bem.
Sala – armário, mesa, cadeiras e sofá comprometidos. Papeis espalhados pela casa, pastosos, indecifráveis e assinados pelo efeito-ventania.
Quarto Liberdade – há um lago bem na frente da janela. O tapete chora lágrimas de chuva.
Quarto Paraíso (o meu) – ainda vou descobrir se a TV tem salvação. E, sabe, perto da janela tem tb um colchão novinho, que levou boa parte daquele décimo terceiro que eu não recebo. Pois é.

Agora tô aqui, de férias, torcendo pano e esperando a luz voltar para ligar o secador.

2014, você não tá valendo mais nada.
Vê se bate a porta quando sair.”

Conclusão: o texto é de 2014, mas poderia muito bem ser de 2015.
Só que com alguns plus “a mais”. Porque não tá tendo “ahhhh, eu tô de férias” pra se apegar. Tá tendo aedes egypti no ar e inflação no mercado. O cartão do banco passa bem, já o saldo não tá bem, não. Não daria pra comprar nem travesseiro, quanto mais colchão. E agora lembrei que meu passaporte vai vencer. Não que eu pretenda usar. Mas vou guardar pra olhar os carimbos de vez em quando (cada um tem seu santo de devoção, né?).
 
É isso:
2015, você não tá valendo mais nada.
Vê se bate a porta quando sair.
 
PS. E não volte na versão S ou PLUS. 
 

Eu vi 2015 se espatifar na minha frente

2015, a caneca, eu e o chá de hortelã.
2015, a caneca, o chá de hortelã e eu.
 
 
Eu acabei de ver 2015 se espatifar na minha frente.
Sim, eu acho que sim.
Eu acho que foi ele e #vou_tecontar como foi.

Estava eu fazendo meu suco verde. Que na verdade não era verde porque acabou a couve. Mas tinha pepino, maçã, beterraba, cenoura e laranja. Então era mais um suco vermelho.
Estava eu fazendo o meu suco vermelho, quando abri o armário pra pegar um copo. A porta da esquerda capengou, a dobradiça do alto se soltou. Dei um jeito de apoiar a porta da esquerda na da direita – acreditei que esquerda e direita poderiam se equilibrar, que ingênua – e peguei o copo. Escolhi o copo verde pra ajudar na intenção do suco. Botei o suco no copo. E pensei em providenciar eu mesma o conserto da porta. Se eu já troquei uma válvula hydra poderia muito bem consertar a porta do armário. Porque depois que eu troquei a válvula hydra me empoderei e acho que sou capaz de tudo. Daí eu bebi o copão verde de suco vermelho. Tava bom, tava gelado, almoço de verão. Daí já lavei o juicer e lavei o copão. Abri o armário pra guardar o cop…

Foi aí.
Foi nesse instante que 2015 desabou.

A porta esquerda do armário soltou, mas dessa vez soltou a folha inteira de uma vez. Mais ou menos na altura da minha cabeça, a porta branca do armário da cozinha decidiu se jogar. Cansou da vida, cansou de 2015, au revoir. E ela se jogou de um jeito difícil de explicar, ela estava cheia de vontade, sabe? E pra cima de mim. Aquela coisa branca e dura com mais ou menos um metro de altura e uns 45 cm de largura, eu não medi, mas acho que é isso. Ela se desprendeu da sua base e se lançou ao ar. Mas não veio sozinha. Porque ela meio que se contorceu no voo e puxou algumas coisas que estavam dentro do armário. Parecia decidida a não terminar em vão esse 2015. Eu ia segurá-la, mas (eita, Giovana!) o estrebuchamento foi tanto que não consegui. E minha atenção se voltou pra comissão de fundo. E enquanto a porta suicida se debatia em meu braço direito e depois enchia a quina no ossinho esquerdo do meu quadril – e esse doeu, doeu à la 2015 – logo veio a caneca. Era minha caneca preferida. A caneca dos cachorrinhos. Aquela que eu gosto(ava) pra tomar chá de hortelã. Eu vi a caneca e enquanto puxava meu pé esquerdo pra porta em queda livre não me aleijar na saída, os cachorrinhos rodavam no ar em direção ao chão. Um giro completo e eu vi, em câmera lenta – parecia lenta, juro, parecia filme -, eu vi ela se aproximar do chão de asinha pra baixo e previ o estrago.

Eu desejei um controle remoto, eu queria voltar a caneca na prateleira, a porta no lugar, eu não queria aquilo que ia acontecer no chão da cozinha, eu não queria perder os cachorrinhos, eu não queria esse monte de coisa chata e triste que aconteceu em 2015, eu não queria, poxa!

Mas em menos de dois segundos, acho que em menos de um segundo, talvez até menos de meio segundo, eu não sei – a gente não consegue mensurar o ano tempo nessas horas, só sei que foi depressa demais, depressa a ponto de eu não conseguir evitar -, a caneca, o 2015, a coisa toda se espatifou no chão.

Alguns segundos de silêncio e eu fiquei tentando dimensionar o estrago.

Em mim, no chão, no armário, em 2015. 
A porta caída à esquerda, um prato quebrado aos meus pés e não havia mais cachorrinhos pra hortelã. O que foi uma caneca de 2015 já havia se espatifado em muitos e muitos pequenos pedaços. Tantos que não foi possível nem usar vassoura. Precisei de aspirador pra tirar os resíduos e o pó de caneca que se espalharam pela cozinha até alcançar a sala.

Mas eu limpei.
E bem limpinho, sabe?
Porque dos estilhaços de 2015 eu não quero levar nada.
Nem poeira.


Foto: arquivo pessoal.  

 

Com você também é assim?

sape

Eu tô cansada hoje. E quando eu tô assim muito cansada não consigo dormir. Então decidi escrever. Pra ver se me distraio do cansaço, se engano (ele) um pouco e o sono vem. Logo mais eu te conto se funcionou. Enquanto isso eu preciso de um tema. Mas eu tô tão cansada que fica difícil pensar num tema. Outro dia mesmo eu tinha um tema, mas esqueci. Eu tinha mais de um, na verdade, tinha uns três temas na fila pra escrever. Porque eu faço uma fila de temas. Mas não é por ordem de tamanho, data ou importância, é por ordem de alguma coisa que eu não sei bem explicar. Talvez ordem de urgência mental, por assim dizer. Urgência pra parar de pensar no tema, descansar e, então, dormir. E tem tema que enquanto eu não escrevo ele não me deixa dormir. Com você também é assim? Mas nem sempre o tema é um tema propriamente dito. Porque o tema deriva das banalices, quotidianezas, amenitudes. Alguma coisa que acontece na rua, na chuva, na fazenda e daí traz consigo um tema. Essa parte da rua, da chuva, da fazenda apareceu assim do nada e eu não sei explicar de onde veio. Possivelmente do meu inconsciente que um dia, lá atrás, registrou um arquivo do show do Kid Abelha. Mas eu não vou entrar no mérito da casinha de sapê porque eu não sou frequentadora. Casinha de sapê até poderia ser um tema, acontece que eu realmente não tenho um fato relacionado que me traga uma insônia, uma urgência, um texto. Então eu vou deixar a casinha pra lá e mudar de assunto assim, do nada. Porque embora eu tenha aprendido na aula de redação da escola que um texto tem que ter introdução, desenvolvimento e conclusão, com as ideias bem encadeadas, quando eu tô assim muito cansada eu nem sempre mantenho um pensamento linear. Na verdade, independente da casinha ser de sapê, de tijolo ou de lata, eu não costumo ter um pensamento linear. Nem mesmo quando eu não estou cansada e quando estou com sono em dia. E quando eu sonho, eu sonho bagunçado também. Com você também é assim? Pois eu raramente lembro de um sonho. Às vezes lembro de pesadelo. Mas é sempre coisa caótica, com um pé nonsense e outro manco. Mudam os personagens, o enredo, o tempo-espaço. Assim, do nada. Feito sapê que vira lata. Eu quis dizer um sapê que se transforma em lata e não em cachorro ou gato vira-lata, deu pra entender essa parte? Tem frase que engana, né? Mas eu gosto. Eu gosto de deixar a interpretação em aberto e a pessoa entende o que quiser (e aqui eu lembrei de um tema da lista pra usar outro dia). A pessoa também pode ir e voltar no texto, assim, do nada. Agora, por exemplo, você pode voltar na primeira menção à casinha de sapê. Depois você pode pular pra primeira frase e você vai reler que eu tô cansada hoje. E talvez você, então, tenha um nível de tolerância maior com a minha falta de tema e o meu pensamento não-linear. Talvez você não siga pra reta final deste texto, cogitando que está perdendo o seu tempo e que este deve ser o pior texto que eu já escrevi. Talvez sim, talvez seja. Porque hoje eu estou cansada. E talvez você, então, me perdoe por isso. Porque, juro, tudo o que eu queria agora é que essa droga de música saísse da minha cabeça! Com você também é assim? Ela chega do nada, gruda e não te larga mais? O fenômeno acontece principalmente quando estou muito cansada e geralmente com repertório duvidoso. Porque se eu pudesse escolher, queria que grudasse, sei lá, uma melodia do Miles. Porque até ajudaria a relaxar e embalar meu sono. Mas me vem a porra da casinha de sapê. Quando não vem coisa pior. É feito pesadelo nonsense manco. Tipo um texto sem tema e não-linear. Ou um cansaço que não te deixa dormir. Como você também é assim? Olha, acho que agora tô me sentindo um pouco melhor, tô tomando chá de hortelã e acho que seu deitar a cabeça no travesseiro pode até ser que eu consiga dormir. Por isso não vou nem revisar o texto e espero que você releve qualquer erro-fruto do meu cansaço. Mas, ei, se você ainda estiver por aí, posso pedir só mais uma coisa? Canta uma musiquinha pra eu dormir? Só não vale aquela, combinado?

Ah, #vou_tecontar que eu não vou colocar aquela música como trilha do texto. E não faço isso só por mim, não. Mas pra evitar que ela grude em você também.

De nada.


Foto: youtube.com.