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Somos todos Mariana

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Almoço em Pinheiros. 
Na mesa ao lado, Mariana chorava. Chorava muito. Copiosamente.
Do que pude escutar, registrei “não aguento mais”, “humilhação”, “tanto desgosto”, “você me entende?”.
Captei a interlocutora tentando oferecer consolo. Repetia “Mariana, Mariana” várias vezes, junto com um amontoado de palavras inaudíveis, palavras que pareciam escorrer tão rapidamente quanto as lágrimas de Mariana. 
#Vou_tecontar que Mariana falava baixinho, visivelmente constrangida. Tentava, em vão, ocultar seu pranto, disfarçar os olhos vermelhos entre o cabelo já desgrenhado, com mãos que apertavam as têmporas e esfregavam o rosto de minuto a minuto numa tentativa claramente inútil de manter o controle. 
Na mesa ao lado, um grupo de cinco ria alto. Alheios ao sofrimento de Mariana, falavam de Carnaval, registravam os feitos da folia, os pontos altos dos últimos dias. Completamente imunes ao derramamento dos olhos azuis daquela moça, suas gargalhadas com sílabas tônicas faziam batucada pra um choro que parecia não ter mais fim.
Chora, Mariana, chora.
Eu quis dizer. Mas não disse.
Naquele instante o mar de lágrimas de Mariana me inundou também. 
Não se envergonhe, Mariana. Pode chorar.
Eu quis abraçá-la. Mas não abracei.
Veio a conta – porque a conta sempre vem. 
Paguei no crédito. Não demora logo cai.
É, Mariana. 
Se tem uma coisa que, mesmo sem te ouvir, eu posso dizer da sua dor. 
Seja como for.
É que ela é Universal.

Fica bem, Mariana.


Crédito da imagem: copiarecoloriedesenhar.anildomotta.com.br

O dia em que ele foi embora

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Foram 17 dias intensos. Acordando, tomando café-da-manhã, almoçando, jantando, dormindo… tudo juntos. Até que chegou o momento inevitável. O dia em que ele pegou um avião, cruzou o atlântico e voltou pra casa. Dele.

E #vou_tecontar que então tudo virou silêncio. Um só pote de sucrilhos na mesa. Nada de toalha molhada em cima da cama. Ninguém pra disputar a coberta. Ou pra conversar enquanto o sono não vem.

A casa estava vazia. Dela.

E esvaziou-se como uma atração turística após o expediente. Como um museu de grandes novidades depois que os visitantes vão embora. Como um palco quando terminam os aplausos, as luzes se apagam e alguém bate a porta.

Estava mais sozinha do que sempre. Mais esgotada do que a Cantareira. Mais na ressaca que no seu maior porre. Mais loser que aquele funcionário que sempre fecha a firma bem depois do expediente – porque não consegue dar conta no tempo regulamentar.

Era o fim.
Das férias.
Dele.

Um desfecho esperado, afinal, era paixão de verão. Era verão no hemisfério norte. E talvez eles nunca mais se verão. Talvez estejam condenados a viver como um trocadilho infame, que não se pode repetir porque soa mal. Como uma bota que não combina com o cinto e faz o look ruim.

Três da tarde. Hora de levantar, reagir, seguir em frente. Afinal, foram 17 dias e não 17 anos.

Uma rápida limpeza na casa, um breve surto de arrumação. Ela sempre acreditou que a organização também pode acontecer de fora pra dentro. Gavetas em ordem são um ponto de partida pra cabeça no lugar.

Lista de compras na mão, seguiu pro mercado. Na fila, viu que a moça do caixa conversava com um homem. Pareciam não se entender, ela estava contrariada. “Te pego na saída e acertamos os detalhes”, ele avisou.

Torrada, ricota, suco de caixinha, sucrilhos, capuccino. Cada item se arrastava na esteira lentamente, com o mesmo peso e preguiça que ela foi de casa pro mercado; como a moça do caixa passando os produtos vagarosamente pelo leitor do código de barras.

Opa, passou o mesmo produto duas vezes. Para tudo, chama a gerente, cancela, continua. A moça do caixa parecia abalada.

Estaria tão triste quanto ela?
E nesse caso a ordem das pessoas não altera a pergunta.

R$ 87,90. CPF na nota? Pagamento no débito. Ah, digitou crédito. Começa de novo.

“Desculpa, moça. É que tem dias que a vida pessoal interfere no trabalho da gente”, falou a caixa, cabisbaixa.

“E eu não sei?”, respondeu ela, errando a senha.

Nesse instante se olharam.

“É que ele terminou comigo, depois de 17 anos pediu o divórcio”, revelou a caixa, num suspiro.

E então escorreu uma lágrima.
De uma.
E de outra.

Se encontraram num choro triste e doloroso. Ali, bem no caixa do mercado, numa quarta-feira de inverno qualquer.

Constrangida, pensou em colocar os óculos escuros pra evitar que outros clientes vissem o pranto. Mas achou que seria indelicado com a moça do caixa. Deixá-la chorando sozinha nesse dia tão difícil. Afinal, foram 17 anos e não 17 dias.

“São R$ 87,90”, repetiu a caixa, engolindo o choro, o nariz vermelho.

Transação aprovada.

“Posso te dar um abraço?”

A caixa assentiu. Solidárias, se despediram entre ecobags.

E já na volta pra casa é que se deu conta. Nem perguntou o nome dela.

Mas tudo bem. Logo mais será verão no hemisfério sul.

Aguardem.

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E enquanto o dia dela não chega, te deixo com esse vídeo aqui:

https://www.youtube.com/watch?v=589U59Ofaok&feature=youtu.be

 


Foto: Aline Filócomo.