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Sim, eu larguei tudo. E viajei.

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O Facebook hoje avisou. Há exatos 4 anos eu desembarcava em Londres. E depois em Cambridge. Com uma mala na mão, saldo do FGTS no cartão e medo de ter feito a maior besteira da vida.

“Tô velha pra isso”.

#vou_tecontar que eu tinha largado emprego, tinha pouca grana e uma dificuldade enorme pra entender o que aquela gente falava.

“WTF”?

Porque é nesse tipo de situação que a gente descobre que inglês intermediário no Brasil é analfabetismo funcional na Inglaterra. Nem o motorista de ônibus eu conseguia decifrar – aliás, especialmente o motorista de ônibus, ô pronúncia difícil.

“Precisa dessa batata na boca, me diz, precisa?”

Estranhei horrores, me perdi um monte, tive dor de barriga e chorei uns três dias.  Não gostei da escola de inglês, do professor indiano e da acomodação british. Era frio e cinza. Entrava aranha no meu quarto, a água tinha gosto doce, o fish parecia plástico e as chips nadavam no óleo.

“Socorro. Quero arroz, feijão e minha mãe”.

Mas eu não podia pegar um taxi e correr pra casa.

Uma semana depois eu conhecia os caminhos, tinha outro teacher, meia dúzia de amigos e trocava duas ou três palavras com o motorista. Fazia sol (simmmmm) e o clima era agradável (simmmmm).

“Até que isso é legal”.

Me encantei com os parques, os colleges, me entupi de doce e fast food, decifrei a timetable, fiz punting no Cam, mudei de endereço, bebia Evian, comia babybel no café da manhã, arranjei uma bike, visitei pubs, museus, restaurantes, vi Shakespeare, musical, peguei trem pra lá e pra cá, conheci gente de tudo quanto é lugar, fiz amigos de verdade, mil planos de viagem e estudei (um pouco).

“Upper Intermediate. Chá com leite e bolinhos in The Orchard”.

E enquanto a molecada se acabava nas compras eu convertia euros em passagens low cost.

“Essa bolsa aqui vale um voo pra Roma”.

Inglaterra, Holanda, Bélgica, Escócia, França, Itália, Espanha, Portugal.

Sim, eu viajei.

Fui muito bem tratada em Paris (juro), não curti pizza em Roma (prefiro de SP), curei sinusite com whisky em Edimburgo (where are you Nessie?), viajei num trem fantasma (pânico a cada estação), não senti o tal fedor nos canais de Veneza (teve gôndola), peguei ônibus que voa (Ryanair), rolei de rir nas ramblas (gordinha), não tirei foto na plataforma 9 ¾ (Harry Potter nãooooo), dividi quarto com 6 em Lisboa, com 4 em Amsterdã num hostel que ficava num bar e entrava marofa pela janela do banheiro.

“Advanced Level. I don’t want to leave anymore”.

Voltei pro Brasil meses depois. Com quatro quilos a mais, uma mala de roupas puídas, cutículas arregaçadas, machucados de bolhas nos pés, uns 30 euros no bolso e algumas das melhores lembranças da minha vida.

Fiquei sem grana e sem trabalho por um tempo. Sem compras, sem balada, sem manicure, sem quase porra nenhuma.

“Gorda, pobre, desempregada… em SP”.

Mas, sim, eu fui feliz.
E, sim, eu faria tudo outra vez.

E levaria uma mala ainda menor.
E viajaria ainda mais.

E mais.

Porque parecia a maior besteira, mas foi o melhor investimento da minha vida.

 


Foto: arquivo pessoal.

 

Um unicórnio, um panda e uma ararinha

Foi como se eu tivesse matado um unicórnio (mágico), um panda (bebê) e uma ararinha azul (solta na natureza). Tudo junto e misturado.

E enquanto eu #vou_tecontar, você pode clicar nessa trilha sonora aqui, ó:

Pois bem. Eu estava quase no cruzamento da Faria Lima com a Cidade Jardim e o trânsito fluía mais livre que o normal. Porque o bicho tava pegando nas Marginais e ninguém conseguia chegar até lá, sabe como é?

Mais ou menos nessa hora passou uma coisa terrível pela minha cabeça:

Hoje cedo eu tirei o lixo. Quando desci pra garagem, desci com o lixo. Mas eu desconfio que troquei as bolas. Que coloquei o lixo orgânico no latão do reciclável e o reciclável no latão do orgânico.

Caramba, potinho de iogurte pode ser reaproveitado. Mas casca de gengibre não.

E enquanto eu cruzava a Cidade Jardim, pensava no que tinha no meu lixo. Na cara de surpresa do coletador quando encontrasse um frasco de Pantene Pro-V com as cascas de banana do vizinho.

Pensei na raiva que ele me dedicaria sem ao menos me conhecer, sem saber que, poxa (!), foi sem querer. E, claro, o funcionário do prédio não iria perceber porque o funcionário do prédio nunca percebe nada (!).

Cogitei ligar pro zelador, sei lá, avisar. Nessa hora o meu celular tocou.

Eu não costumo atender o celular enquanto estou no volante. Mas dei uma espiada e o número terminava com 000. Podia ser uma pauta.

Não era a minha mãe e eu preciso de uma pauta.

Então eu peguei o telefone, mas eu tava com a mão ocupada, me atrapalhei e, ao invés de atender, eu desliguei na cara da pessoa.

Eu troquei o lixo e ainda desliguei na cara da minha pauta.

E nessa hora eu estava mais ou menos no cruzamento com a Juscelino. E enquanto eu colocava o celular de volta no console passei por cima de uma bandeirinha do Brasil.

Sim, atropelei. Ela voou de algum carro e num só instante estava debaixo do meu pneu dianteiro. Eu até tentei desviar, como tento desviar de pombas que me aparecem do nada. Mas não deu.

E como se não bastasse trocar o lixo, desligar na cara da pauta e atropelar a bandeirinha do Brasil eu ainda assustei um pedestre gordinho.

O farol fechou, eu estava pensando no meu lixo, na cara do coletador, na minha pauta perdida (podia ser a Globo) e na bandeirinha atropelada que eu ainda via pelo retrovisor. O farol fechou e eu brequei de repente, com pé – e fé – no ABS.

Talvez eu tivesse passado direto se não visse o pé do executivo gordinho já na faixa. Porque frear de repente pode ser tão arriscado quanto cruzar o farol vermelho (né?).

Mas olhei no retrovisor e não tinha ninguém logo atrás. E tinha um gordinho na frente. E eu já tinha atropelado a bandeirinha do Brasil. Então brequei. Mas assustei o homem. Ele puxou o pé, depressa, de volta pra calçada, branco feito papel não reciclado. Me desculpei, sorri amarelo e ele passou.

Se ele soubesse que eu troquei o lixo, perdi uma pauta, atropelei minha nação, me perdoaria.

Né?

Mas eu não me perdoei. Soltei um palavrão grandão, com vontade. No mesmo instante em que o moço bonito no carro ao lado olhava pra mim.

*&%+˜#$@!!!!!!!

Pois é, eu falei um palavrão terrível pro moço bonito da Pajero ao lado. Isso depois de destruir o meio ambiente, desligar na cara da Globo, humilhar meu país e quase assassinar o presidente de uma multinacional.

O moço do carro ao lado riu.

Eu também.

Porque, sabe, não vou carregar toda essa culpa.

Já tenho tantas.

E de quem é a culpa?

Da alta do dólar. Não, da Dilma. Quer dizer, do Temer. Ou melhor, do caos no transporte público, na saúde e educação.

Não, pera…

Meu telefone não toca mais

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E antes que você pense que eu sou a pessoa mais solitária desse mundo e role a página em busca de coisa mais interessante, #vou_tecontar que esse texto poderia ser seu também.

Me diz: seu telefone fixo… ainda toca?

Tô falando do bom e velho Graham Bell.

Por aqui, nem minha mãe me liga mais – agora ela manda whatsapp. E é daquelas não sabe usar direito o aplicativo. Do tipo que escreve “Oi” e some, vai fazer outra coisa. E me larga no vácuo. Ou então envia mensagem de madrugada perguntando se estou em casa. Tava dormindo.

Tava.

Esses dias decupei minha conta de telefone fixo. Eu mesma fiz três ligações no mês. Pra vovó. Só. Deduzi que tô rasgando dinheiro com a porcaria da franquia da NET. Porque a vovó tem Facebook. E usa o inbox com desenvoltura.

Semanas atrás aconteceu. Eu tava quase de saída pro trabalho quando o telefone tocou. Levei um sustinho e três segundos pra lembrar que aquele som pouco familiar significava alguém ligando. Seria uma emergência na família?

Nada. Telemarketing.

É batata: se o telefone toca de manhã pode apostar que é uma mocinha “querendo estar te vendendo” alguma coisa à moda antiga. Mas até isso tá virando raridade.

A última vez que o fixo tocou em casa e era MESMO pra mim foi a secretária da dermatologista querendo confirmar a consulta. Coisa de dois meses atrás.

O fato é que nem a turma de Bangu me liga. Do presídio, sabe? Pois é. Eu que sempre tinha uma resposta pronta pra dar, nunca mais xinguei ninguém (na linha). O meu clássico era atender aquela moça que gritava “Mãe, socorro, me ajuda, mãe, me pegaram!”. E eu dizia “Vai pro inferno porque não tenho filha com essa voz desafinada”.

Nunca mais.

O celular ainda toca – quando não fica no silencioso. Toca aquele barulhinho do whatsapp, das mensagens do inbox. E tem o plim do SMS… de vez em quando – e cada vez menos. Geralmente é o Itaú avisando da compra autorizada, mandando o IToken, ou então a Vivo com o código da fatura ou avisando “o uso do Vivo internet está perto de atingir o limite…”.
Outro dia fui até assediada por uma mensagem de texto. Da Claro.

É.

Passeios, convites, jantares, cineminhas, festinhas, novidades dos amigos, da família, tudo agora é conversado por whatsapp. Em grande volume de dados. Maravilha da tecnologia. Fato.

Mas vamos combinar: sem a emoção das oscilações no tom de voz. E sujeito ao tédio eterno do emoticon mal empregado.

Pensa só: a sedução de uma voz rouca te chamando pra sair perdeu espaço pra convite-clichê com erro de concordância.

Em contrapartida, com direito à ilustração, mapa e trilha sonora. Streaming lovers!

Onde será que habita hoje aquela ansiedade pelo toque de um telefone tradicional?

Em dois tracinhos ao lado da mensagem? Nos três pontinhos na caixa de um texto em produção do outro lado da tela? E a raiva do tom de ocupado, pra onde foi? Porque não existe mais ocupado. Existe “fora de área” ou “sem bateria”.

E assim o coração pulou da boca pra ponta do dedo.
Agora é coração touch o coração da gente.

A verdade é que ninguém mais gasta o real da ligação. Nem quando é grátis pra mesma operadora. Telefonema tradicional parece que não cabe mais na vida pessoal.

Ah, mas o whatsapp tem a função de voz.

E aqui preciso explicar que escrevi esse texto antes de existir a função de ligação pelo whatsapp. Nova maravilha da tecnologia que cai em três a cada três tentativas, mas que eu já amo de paixão.

Tem. WhatsApp tem função de voz. Só que é meio que função monólogo, né? Não permite interrupção da frase, não permite um “uhum” do outro no meio da história, uma risada, um suspiro, uma interjeição, o bom e velho “não me diga!”. Sem falar no risco de alguém ao lado escutar (e editar) a bobagem da vez. Porque 80% das mensagens de voz são besteiras para alegrar o dia, né?

Agora, se o papo é grave, oceânico, importante, saudoso ou uma DR, ufa, temos o Skype e o Facetime. O olho no olho virtual. E abaixo o interurbano!

Outro dia eu tava num restaurante com uma amiga e ela teclava com um prospect arrebanhado no Tinder. Do cardápio virtual pro cardápio real, eis que a menina me arregalou os olhos desse tamanho quando o moço mandou um “Posso te ligar?” Viva, um rapaz à moda antiga! Quase brindamos a isso. Ele ganhou pontos, marcou um date e já tem o meu voto. Defendo que ligação não tem nada a ver com intenção, mas desconfio até que é candidato a dividir com ela o combo da net (e aqui faço uma homenagem).

Não, eu não tenho nada contra as mensagens de texto. Ao contrário, sou usuária assídua.

Só bateu uma nostalgia hoje. De construir imagens a partir do som de uma voz no ouvido. De olhar pro céu e não pra tela enquanto escuto uma história.

Mas, quer saber? Tô achando é que vou cancelar o telefone fixo.

Só vou esperar passar o aniversário porque… né?
Vai que!

 


Imagem: singletrackworld.com

 

Você conhece a Juvailde?

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Provavelmente não.

Então eu #vou_tecontar: a Juvailde é analista da Vivo.

Mas antes que a empresa entre em contato para me questionar, já vou_teavisar: aconteceu no ano passado.

Como eu ia dizendo, a Juvailde é analista da Vivo. E eu fiquei impressionada com a agilidade da Vivo (ou da Juvailde).

É que a analista Juvailde (ou a Vivo) acaba de me responder um e-mail que enviei pelo Fale Conoscoem 4 de maio (de 2014). Sim, o Fale Conosco, aquele canal de contato que promete resposta em “até” 5 dias.

A Juvailde (ou a Vivo) me chama de Maria Ligia, pede desculpas pelo atraso, diz que tá à disposição e sugere que eu acesse o site, pois lá tem todas as informações de que necessito.

Sim, veja só, o mesmo site que consultei sem sucesso em 4 de maio (de 2014) e no qual acessei oFale Conosco porque não consegui resolver meu problema.

E porque até tentei antes resolver por telefone, mas após 15 minutos de espera a atendente (ou a Vivo ou a Juvailde) desligou na minha cara.

Deve ter caído a ligação, eu que interpretei mal, né?

Então como não me impressionar hoje, dia 3 de junho (de 2014), com a qualidade e a boa fé do atendimento da Vivo (ou da Juvailde)?

E como não admirar a Juvailde (ou a Vivo) que, embora me chame de Maria Ligia, esteja quase um mês atrasada e me recomende um site que não me ajuda, está, veja só, “à disposição”?!!

E eu me pergunto:

Quantas pessoas ainda terão a chance de verem suas vidas transformadas pela analista Juvailde? Quem são os brasileiros que, como eu, também se emocionam ao receber um e-mail diferenciado da Vivo? E com o fato dessa gigante da telefonia, a Vivo da Juvailde, ter nos conectado emocionalmente com a pequena analista Juvailde da Vivo? E por termos tido a oportunidade de vivenciar o padrão Vivo (ou Juvailde) de atendimento?

Não, não vai passar no Globo Repórter.

Mas eu quero muito eleger a Juvailde funcionária do mês!

Totalmente afinada com a Vivo em que trabalha. São um só coração! Praticamente a mesma pessoa, física e jurídica. A Juvailde da Vivo e a Vivo da Juvailde.

As duas não ajudam a Maria Ligia em porra nenhuma!

Por isso hoje eu vou batizar a pequena boneca da caixinha de costura. Aquela com cara de vudu, em que as agulhas ficam espetadas.

Ela vai se chamar, adivinhe?

Juvailde.

 


Foto: arquivo pessoal.

 

O homem das flores – parte I

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“Se eu chegasse cinco minutos antes”.

Ah, essa tal condicional!

Por cinco minutos eu já perdi trem, compromisso e alguém. E por cinco minutos ontem eu persegui um homem, digo, umas flores, quero dizer, o mistério do homem das flores.

Tá, eu #vou_tecontar

Era uma vez o mês passado, uma segunda ou terça-feira.

Saí do trabalho no horário habitual, apressada pra não perder meu compromisso habitual. Tudo exatamente como habitual. Até a parada no farol – que sempre fecha na minha vez. Aquela olhadinha em volta – habitual – e vi passar um homem jovem, com um maço de flores na mão, que ele carregava de um jeito meio sem jeito. Tava na cara, flores pra ele não eram coisa habitual. O homem atravessou a rua, o farol abriu, a vida seguiu.

Na semana seguinte a cena se repetiu. Horário habitual, farol habitual e, ora, ora, outro homem com flores. Eram outras flores. Só que era o mesmo homem.

Será?

Achei que sim. Mas certeza só tive uma semana depois, com flores do campo. E aquele homem entrou pro meu cenário habitual.

O que o levaria a fazer tudo sempre igual?

Pergunta errada. Eu também faço meu igual. Mas meu igual não tem flores, quer dizer, passou a ter, as flores dele, aliás,

flores de quem?

No habitual seguinte, eram tulipas. Seriam pra esposa? Terreiro? Avó doente? Decoração de ambiente?

Eu precisava entender o habitual daquele homem, digo, daquelas flores. E fiz um plano:

“Se eu chegasse cinco minutos antes”.

Se eu chegasse cinco minutos antes poderia dobrar a esquina, estacionar o carro na garagem de casa e andar até onde ele comprava as flores. E ele estaria em sua rotina habitual, escolhendo, comprando, pagando.

Era isso.

No dia seguinte saí do habitual, digo, do trabalho cinco minutos antes. Mas o trânsito atrapalhou, perdi a condicional, perdi as flores, o plano falhou.

Passou.

Semana passada o habitual me mostrou flores do campo e um homem mais à vontade com aquele pacote. Ele atravessou a rua, o farol abriu, mas a vida não seguiu.

Até ontem.

Ontem não usei a condicional e não saí cinco minutos antes. Ontem o trabalho atrapalhou e saí uns cinco minutos depois. Ontem o trânsito estava melhor do que o habitual e chegou o dia em que eu cheguei cinco minutos antes. Eu virei a esquina, estacionei o carro na garagem e andei até o local das flores.

Lá estava ele.

Lá estavam elas.

Eram margaridas.

Fiquei ali como quem escolhe um vasinho. Escutei a vendedora perguntar se “ela” gostou das flores da semana passada e ele dizer “sim”. E só. Sem mais.

Então arrisquei: “às vezes te vejo passando com flores”.

Na verdade eu queria dizer “toda semana te vejo passando com flores, no mesmo horário, no mesmo lugar, então me fala logo o que isso significa ou eu não vou conseguir dormir essa noite”.

Mas eu não queria parecer a maníaca das flores, né? Eu não queria asssustar o homem das flores.

E ele sorriu.

E, sim, ele contou.

Há um mês, toda semana, ele leva flores pra mulher. Há um mês ela sofreu um acidente. Há um mês não foi só o susto. Há um mês ela perdeu o bebê.

Não vou explorar o drama do homem das flores, mas naquela noite do acidente a mulher esperava por ele. Ele estava atrasado.

Então eu entendi que as flores não eram só pra ela. Eram pra ele também.

E antes de seguir o trajeto habitual, com o maço de flores na mão, ele disse uma coisa sobre aquele dia que não lhe sai da cabeça:

– “Se eu chegasse cinco minutos antes”.

Então ontem eu saí do habitual.

Ontem eu comprei flores.

 

 

Quer saber a segunda parte dessa história? Acesse: 

http://voutecontar.blog.br/o-homem-das-flores-parte-ii/

 


Foto: arquivo pessoal (obra do Bansky).

 

Melancia

Manhã de domingo em Pinheiros.

E enquanto eu #vou_tecontar você pode clicar nessa trilha sonora aqui:

 

O moço subia a Fradique Coutinho. Carregava uma ecobag com as compras do dia. Moço bonito – e sustentável. Óculos de sol, camiseta bem humorada.

Eu cruzava pro lado oposto da calçada, não notei se foi o celular que tocou, mas ele se atrapalhou tentando pegar alguma coisa no bolso. Foi tudo muito rápido e só vi uma melancia descendo a ladeirinha.

Sim, pulou da sacola.

Daquelas melancias pequenas, sem caroço, sabe?

Rolou.

A mulher logo atrás desviou. Um cachorro assustou e latiu – queria correr atrás da bola grande e quase arrastou a dona senhorinha pela coleira.

Um homem próximo à esquina tentou agarrar a dita, que escapuliu sem cerimônia.

O moço da ecobag, com o celular na mão, meio que corria, meio que segurava a sacola, sem tirar o olho do trajeto da fruta.

Acho que o bairro parou nessa hora.

Fatalmente a melancia baby ia cruzar a Artur de Azevedo. Farol aberto. Se sobrevivesse, talvez parasse na boca do bueiro.

Pois, que ventura, atravessou!…

E quando invadiu a ciclofaixa, vinha vindo uma bike.

Melancia cinematográfica.

Não é sobre sapatos

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Eu tinha quatro ou cinco anos. E ganhava um sapato vermelho de presente. Era um modelo boneca, confortável, de um vermelho forte e acabamento que parecia um verniz suave. O fecho prendia a tira no terceiro furinho.

#vou_tecontar que era a coisa mais linda o meu sapato vermelho.

Fazia toc toc quando eu caminhava. E enquanto eu andava pra lá e pra cá no chão de madeira pra escutar a música do meu sapato, abri os olhos. O quarto estava cinza e era de manhã. Fechei de novo pra procurar o sapato vermelho e não achei. Pulei da cama, abri o armário da direita e meus olhos ansiosos vasculharam o cantinho inferior.

O tênis branco e azul da escola estava lá. A sandália branca de couro macio também. E os chinelinhos. Mas sapato vermelho não tinha ali. Nem de luz acesa, nem de luz apagada.

E assim eu entendi que era sonho. Eu perdi o meu sapato vermelho e eu só tinha quatro ou cinco anos.

Por muito tempo eu pensei naquele sapato.

Aos dezenove comprei um all star vermelho. Era o meu predileto, tenho até hoje. Aos vinte e dois achei um modelo similar, mas era verde. Comprei uma meia vermelha e usei a dupla até cansar. Aos trinta, cada vez que eu entrava numa loja era o vermelho que eu procurava. Teve uma vez que vi um parecido, mas não encaixou no meu sonho, não era o meu número.

Ano passado, pela primeira vez bati o olho num sapato vermelho que não era tênis, que não era verde e que serviu. Eu gostei, é arredondado, dá conforto. Fiz o sapato caber no meu sonho por R$ 139,90. Eu adoro o meu sapato vermelho.

Só que é vermelho, mas não tem fecho. É vermelho, mas não tem música esse sapato.

Talvez eu nunca tenha um sapato vermelho com fecho, com terceiro furinho e com música.

Porque eu só tinha quatro ou cinco anos.

E quando se tem quatro ou cinco anos a gente pode sonhar qualquer coisa.

 


Imagem: huffingtonpost.com

 

Briga de casal

Aconteceu uma coisa desagradável.

Uma briga de casal.

E enquanto eu #vou_tecontar você pode clicar nessa trilha sonora aqui:

Tudo começou porque a minha geladeira estava vazia. O que por si só já é desagradável – e geralmente acontece de segunda a sexta e se repete sábado e domingo.

Pra quem se comoveu, doações podem ser combinadas por e-mail.

Mas o fato é que eu saí pra comprar o jantar. Quando abri o portão, tinha um moço engomado do lado de fora.

– Você vai entrar? (perguntei, gentil, segurando o portão)

– Ah, sim, é que estou… esperando a minha namorada. (ele pronunciou “mi-nha-na-mo-ra-da” em alto e bom som, saboreando cada vogal e consoante) 

Ou seja, namoro novo.

Eu quis ser legal, tava frio, deixei ele entrar:

– Então vai lá. (sorri)

E acho que ele levou ao pé da letra.

Enfim.

Eu fui num pé e voltei no outro. Quando abri o portão na volta, jantar na mão, trombei com um rapaz (outro) que saía apressado, todo mal educado. Entrei no elevador e, conforme subia, entre o segundo e o sétimo andar, escutei o eco de um quebra-pau. Daqueles.

Da-que-les!

Daí fui juntando palavras soltas: “Não acredito”, “você fez isso”, “um cara”, “sua casa”, “te esperando”, “sou idiota”, “#@$/&*”.

Paca, maca, caca, não… foi “vaca” mesmo.

É.

Daí deduzi o resto. Ou o possível resto. Ou seja, tudo o que aconteceu nos minutos entre a chegada do moço engomado e a briga. Entre um pé e outro da compra do meu jantar.

Possível versão: o engomado novo chega inesperadamente porque alguém-EU abre o portão pra ele. Ele sobe e encontra o “outro” lá, na casa dela. Azedou. (detalhes sórdidos por sua conta)

Mas tô até agora tentando criar outra versão. Uma versão em que eu não me sinta… culpada.

Tipo: coincidência.

O casal da briga na verdade é outro casal, num dia de fúria, e não tem nada a ver com o moço engomado do portão. E o rapaz que eu vi sair é só o irmão mal humorado da vizinha chata do nono andar. Porque ela tem mesmo cara de quem tem um irmão mala.

Ou então: um engano.

O engomado deduziu um flagra que não existiu, pois se tratavam apenas de dois bons grandes amigos de infância se abraçando em despedida.

Pode ser!
Não pode? …

Certeza?

Poxa, gente, eu abri o portão.
Eu disse: “vai lá”.
E ele foi.

Seria razoável dizer que o problema todo foi… a geladeira?

Agora não sei.
Mando flores pra vizinha?
Dou um abraço?
Bolo de chocolate?

Não consigo parar de pensar no moço engomado no portão.
Articulando com fé e orgulho:

“mi-nha-na-mo-ra-da”.

Pena.

Procuro professor de inglês

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Para relacionamento não muito sério nem tão duradouro.
Capaz de ajudar a refrescar minha memória de peixe – tipo aquele azul, do filme, como chama mesmo? Então.
Que seja paciente com meu aprendizado lento, mas que me ajude a evoluir rapidamente – e que concorde que miracle é uma palavra forte, ficamos com challenge.
De preferência um professor que não dê lição de casa. Mas, se der, que não seja assistir as temporadas de Friends ou Game of Thrones. Daí não rola.
Procuro um professor capaz de explorar e interpretar a comunicação não verbal. Porque eu me desdobro pra me fazer entender.
Rir é permitido. E recomendado. Na verdade, bom humor é desejado.
Quero um professor que não me odeie (profundamente) por forçar o uso de palavras que eu gosto, tipo lobster, e evitar as que tenho dificuldades de pronunciar, tipo tough, though, through e thorough.
Que não me julgue por deturpar phrasal verbs e aceite que eu talvez nunca aprenda gramática. Mas que não desista de mim mesmo assim.
Se for brasileiro, não `vai estar cometendo´ muitos erros de português, mas que supere minhas graves escorregadas no inglês – “aluna exigente procura professor condescendente”, porque a vida não é justa.
Se gringo, podemos trocar serviço. Só não me peça pra ensinar samba e análise sintática. Porque aí eu dou o truque.
E, olha, não pode ser, assim, muito bonzinho. Procuro um professor, NÃO um ursinho.
Importante que goste de cinema, teatro, boa leitura e trilha sonora. Que não use o repertório pra medir as pessoas. Mas, claro, aceite que Woody Allen, Leminski, Lewis Carroll e Norah Jones estão acima do bem e do mal. Fazem a nota de corte.
Quero um professor que goste de viajar. Caso contrário, melhor nem sair de casa. Não vai ter química. Nem inglês.
Belos olhos contam pontos. Me prendem a atenção – a aula rende mais. Isso é lógica pura. Juro.
De preferência quero um professor que não fume. Beber pode. Inclusive em serviço.
Espero que não me peça pra ler Joyce. E compreenda que meu livro de cabeceira hoje é (só) um (1) guia ilustrado de viagem. Sim, eu gosto de ver as figuras.
E aconteça o que acontecer nunca me pergunte se eu visitei o castelo do Harry Potter – #neverharrypotter´scastle.
Porque não.
E aconteça o que acontecer, Snoopy está sempre lá, podemos usar a qualquer tempo – #peanutsforever.
Que o professor aceite que eu posso deixar Poe, Blake, Woolf e até Shakespeare de lado. E dar preferência a Bolaño, Llosa ou Cortazár em algum momento. Mesmo não sendo aula de inglês e espanhol.
Que eu posso trocar filme cult por comédia romântica à vontade. E até ver novela vez ou outra. E que nada disso configura traição. Pode chamar de ecletismo. Pega bem pra mim.
Procuro um professor que de preferência more perto. Ou que não more longe, vá. Prefiro aulas presenciais.
Se gostar de pão na chapa é legal – #breadonplate.
Porque sim.
Um professor com horários flexíveis é o ideal. Prometo (tentar) não ligar depois da meia noite.
Ah, o professor pode ter um gato preto. Mas daí tenho que descontar o valor do antialérgico. Tá, esquece essa parte, eu não quero o Gargamel (o gato dele é preto ou amarelo?), procuro um professor. E ainda me dou melhor com cachorros. Embora gatos sejam mais poéticos.
O professor pode usar óculos, cachecol e tênis, tipo all star. Camisa lisa ou xadrez. Listrada colorida não pode. Só se for o Wally. Sem pompom no gorro. Tudo bem, não vou me ater ao figurino, isso não deveria ser relevante – mas, por favor, que não me apareça de boné e corrente.
Eu quero um professor que saia de casa sem ler horóscopo e que possa não julgar as pessoas pelo signo solar – e aqui tô só me defendendo. Mas de vez em quando podemos dar uma espiada na Susan Miller, sem compromisso.
Não vale me chamar de sweetheart nem falar lovely pra tudo, o tempo todo. Trauma é trauma, não se discute.
Pode usar dear, mas, por favor, não erre o meu nome. Nem em português, nem em inglês. Nem em qualquer droga de dialeto. Talvez em francês. Talvez um Liliá. Porque daí não é erro, é acento. E é charmoso.
Talvez eu nunca ache o professor de inglês da minha vida.
Então aceito um professor de inglês comum.
Que seja gente boa.
E paciente.
Tá, pode até ser uma professora.

 


Foto: theguardian.com

 

Oi, você!

Seja bem-vindo(a) por aqui

Este espaço nasce da intenção de organizar um punhado de bobagens escritos num lugar só. E com o incentivo insistente de uma multidão meia dúzia de pessoas lindas que me leem vez ou outra e apreciam meu olhar peculiar esquisito sobre o cotidiano.

Aviso desde já: a coisa aqui é despretensiosa.

Sim > não tenho compromisso com periodicidade.

Tem dia que a vida inspira, tem dias (ou semanas) que não. Tem vez que dá uma vontade exigente de escrever, tem hora que a cabeça e os dedos fazem greve. Aqui não escrevo por obrigação, isso eu já faço no meu trabalho.

Sim > não tenho compromisso com a qualidade.

Vou do luxo ao lixo. Não ambiciono o Pulitzer, não espero aplauso, não procuro parecer culta ou espirituosa. Se a leitura for fácil e agradável já tá valendo. Se arrancar um sorriso, uma lagriminha, um suspiro ou uma gargalhada de alguém, então, que delícia!

Sim > não tenho compromisso com a veracidade dos fatos.

Aqui não é jornalismo (é bom avisar). Tem realidade e tem ficção, cabe a você imaginar o que quiser. Só não me pergunte, eu posso não querer te contar.

Sim > não tenho compromisso de agradar, promover ou depreciar nada nem ninguém.

Mas feel free para manifestar sua impressão anytime. Só não precisa ofender, tá combinado?

Beijo e obrigada pela visita!

Vê se aparece de vez em quando.

Sim > eu vou gostar.

😉