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– Nina, é Você?

Uma das peculiaridades da praia do paulista é escutar a conversa alheia, tamanha a proximidade entre guarda-sóis.

Mas e quando o assunto é VOCÊ?

#vou_tecontar como foi e sugiro vc clicar nessa trilha aqui pra acompanhar (coloca baixinho pra não dar interferência, tá?):

Voltando pra areia, estava eu bem quietinha num dia encalorado, quando…

– Tio, tá vendo essa garota aí do lado? Não é aquela menina que faz novela?

– Qual, a branquela do chapéu?

– É! Não é?

– Não sei, não dá pra ver direito.

– Acho que é, Tio. É sim!

Começaram a me observar ostensivamente.

– Mas qual novela, Marcelo?

– Aquela que fez a Nina, da Carminha.

– Será?

O garoto foi pegar um sorvete e voltou.

– Mãe, vê se não é aquela da novela aí do lado. Vê!

– Não sei, Marcelo. Mas pode ser, né? Artista gosta de andar de óculos e chapéu grande pra esconder a cara. Tudo branquela e esquisita por causa da televisão.

 Oi, oi, oi??

– Vou perguntar.

– Vai nada, Marcelo, deixa a menina em paz.

– Psiu, Nina! É você?

Fingi que não era comigo, até porque, caramba, não era!

– Vai ver é gringa, nem vai entender nada do que você falar, Marcelo.

– Mas, Tio, eu acho que é.

– Tem jeito de argentina.

– Eu acho que é a Nina, sim.

O menino passou do meu lado três vezes, até que não se aguentou.

– Moça, você é a Nina?

Eu: Nina?

– Sim, da novela da Carminha.

Eu: Seu Tio, que tá ali, é o Zeca Pagodinho?

– Não. Por quê?

– Porque se ele for o Zeca Pagodinho eu sou a Nina.

Sim, eu sofri “pré-conceito” nas areias de SP.

Pô! Fui chamada de branquela, esquisita e argentina em menos de quarenta minutos. Isso porque tô relativamente bronzeada, tenho uns 98cm de quadril e nunca peguei o Murilo Benício. :\

O homem das flores – parte II

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Não era dia nem horário. Nem cinco minutos antes, nem cinco minutos depois.

Fora do habitual,  #vou_tecontar que ontem eu reencontrei o homem das flores. Da historinha que já te falei aqui.

E, não, ontem ele não carregava flores.
Comprava um brownie, um abacate e uma apetitosa torta de morango.

Ele sorriu.

Contou que agora a mulher enjoa com o cheiro das flores.
Mas deseja brownie, abacate e torta de morango.

Há 4 semanas sem flores.
Sem condicional.

O ex-homem das flores se chama Ricardo.
E Ricardo vai ser pai.

*

E eu dormi pensando…
na torta de morango.

 


Foto: arquivo pessoal (obra do Bansky).

 

Livre arbítrio

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– Lília, vai ter treinamento de incêndio e simulação de evacuação do prédio hoje. O alarme vai soar às 15h30.
– Tenho um texto pra terminar. Posso escolher morrer no incêndio? Livre arbítrio.
– Não pode. Todos vão ter que descer pela escada, sem levar nada. Poderemos voltar umas 17h30.
– 13o andar, cara, eu tô de salto. Posso me esconder na salinha escura do ar-condicionado que fica dentro do banheiro feminino?
– Não pode ficar ninguém mesmo. Os bombeiros vão entrar e vasculhar tudo, inclusive lá.

– Ah, tudo bem, eu espero o bombeiro lá dentro.

(silêncio)

– Tá bom, vai… vou lá pra Starbucks. Tem wi-fi.

 


Foto: arquivo pessoal.

 

P Size no Provador

 

Eu precisava comprar um presente. 
Decidi aproveitar o horário do almoço e o shopping Vila Olímpia era a minha única opção. Encarei.

E enquanto eu #vou_tecontar, você pode clicar nessa trilha aqui, ó:

Eu fui certeira numa loja conhecida e, enquanto esperava a vendedora checar se tinha a bolsinha que eu queria no estoque, fiquei num cantinho.
 Baita movimento. Fila no provador, tititi no corredor.
 
Existe alguma pesquisa que aponta se as mulheres compram mais na hora do almoço? Ou já é Natal? Crise, que crise?
 
Entre uma enxurrada de cabides, vozes e sacolas, vi que as vendedoras tentavam resolver o congestionamento no provador. Uma delas passava de um por um perguntando se tava “tudo bem”, botando uma pressão na mulherada, enquanto a colega ia chamando a fila conforme as cabines liberavam. 
 
Na última cabine, uma mulher em dúvida:
 
Vendedora – Ah, essa blusa é lindaaaaaaa!
 
Cliente – Não sei, ficou meio esquisita aqui do lado, tá vendo? Tá marcando muito a barriga.
 
Vendedora – Vamos combinar que o esquisito aí não é a blusa, né, meu bem? Ela é perfeita. Mas nada que muita fé e uma boa academia não resolvam, né?
 
Nessa hora ecoaram entre as vendedoras risinhos e comentários tipo “essa é boa”, “academia”…  Em um minuto a mulher saiu do provador, deixou a peça e foi embora em silêncio. A fila andou. 

 
Pedi pra provar uma blusa igual, tamanho P.
 Vesti, abri o provador e a vendedora veio correndo.
 
Vendedora – Aí sim, está perfeita em você!
 
Eu – Será?
 
Vendedora – Claro, você é magra. Não como alguém de 100 Kg que acha que pode vestir bem.
 
Eu – Não é verdade. Olha aqui, tem um problema de caimento e repuxa do lado, tá vendo? E essa falha, meu bem, não tem academia que resolva. Entendeu?
 
Vendedora – Então você vai levar a bolsinha verde?
 (sorrindo amarelo, na porta do provador)
 
Eu – Não. Eu me enganei de LOJA.

Precisava!!


Esse fato aconteceu em 2015. Por coincidência outro dia passei por lá e vi que a loja não existe mais. Pois é.

Eu só queria a minha Colgate

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E #vou_tecontar que não é merchan, é verdade.

Passada a meia-noite de um dia longo, do tipo que vira outro sem nem terminar. Momento “agiliza”, toma remédio, escova os dentes e desmaia até o sol raiar, ou o despertador tocar.

Pois queria.

Já meio de olhinhos fechando botei a Colgate Sensitive pra trabalhar.

Reforço: não é publicidade, é sensibilidade mesmo.

Pois era tchuque tchuque pra um lado e tchaque tchaque pro outro, quando começo a achar que a escova de dentes tá muito dura. Arranhando a gengiva, o cabo maior. Abro os olhos, tudo parece normal. De novo. Tchoft tchoft e não é possível que minha boca esteja tão sensível, gente! Paro tudo. Olho pra escova. Lavo a escova. Olho outra vez. Essa escova de dentes é minha? Poderia não ser? Fico olhando pra escova atentamente. Tá muito arregaçada, minha escova não é assim. E minha escova não é dessa cor. E minha escova da vez é uma Colgate, e essa escova não é Colgate.

 Juro que não tô ganhando nada da Colgate pra mencionar a marca três vezes (e no título), juro! Até prefiro a Curaprox, fica a dica se vc tem dentes sensíveis.

Desconfiada daquelas cerdas desencontradas, peguei uma escova nova no armário e separei a esquisitinha. Recomecei o processo do tchuque tchuque, escova na boca e cabeça voando. Que raios, eu moro sozinha, quem trocou a minha escova de dentes? E mais: de onde é que saiu essa porcaria velha? Repassei mentalmente o dia: trabalho, mercado, diarista, banco e… DIARISTA… será? Diarista, sim. Diarista, que merda. Diarista, só pode. Diarista, que ódio. Diarista, não acredito que ela fez isso comigo. Diarista, mas como? Nem precisei ser Sherlock. No tanque de casa tem uma escova de dentes pra limpeza. Uso pra lavar pias, ralos e locais que exigem atenção aos detalhes. Porque o diabo da sujeira mora nos detalhes, não é assim? Então. Elementar, meu caro leitor, a diarista fez o favor. O favor de trocar a minha escova de dentes com a escova do tanque. Ou seja, com a escova da pia, do ralo, dos detalhes, do diabo da sujeira. Sim, a escova que eu tinha ACABADO DE USAR pra LIMPAR os meus dentes SENSÍVEIS era a escova da pia, do ralo, do diabo das cinco milhões de bactérias, do sapólio, da cândida. Só isso. Depois fui ao tanque. Lá estava a minha Colgate. Macia, bela, formosa e ao lado do sabão de coco. *&¨$#%@”^!!!!!

“Eu MATO a diarista”.

Acho que eu falei isso umas cem vezes enquanto pensava nos efeitos da escova de limpeza na minha boca. E (re)escovei os dentes umas três vezes seguidas com a escova nova e muita Colgate enquanto pensava na pia, no ralo, no diabo das cinco milhões de bactérias, no sapólio, na cândida. E bochechei com Colgate enxaguante bucal sem álcool por 180 segundos enquanto pensava se vou ter uma septicemia ou ficar banguela. Alguém tem um antibiótico aí?

Terceiro produto mencionado, avisa a Colgate-Palmolive Company que eu mereço pelo menos um kit. Mas não vale incluir sabonete Palmolive, tenho alergia.

 

 “Eu MATO a diarista”.

Alguém aí sabe se trocar a escova de dentes da contratante dá justa causa?

“Eu MATO a diarista”.

Deixa ela voltar semana que vem. Deixa.

 


Foto: netdentista.com

 

(meu) dia (9) dos pais

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Dia dos Pais chegando e achei aqui entre meus escritos uma pequena homenagem ao meu. #vou_tecontar que escrevi outro dia, também um dia 9, mas era abril, quando ele faria aniversário.

Acho que se aplica ao 9 de agosto, então tá aqui…

9 de abril agosto. Dia de um heroi só meu.

Se vc não estivesse em “missão externa”, hoje seria dia de sorriso largo pela casa.
De acordar com cheirinho de café forte e pão estalando na mesa da cozinha.
Dia de piada pronta e brincadeira antiga.

Se você não estivesse em “missão externa”, hoje seria dia de fazer o simples e rir de tudo o que desse errado.
Dia de dizer que o tempo passa tão depressa, mas que ainda há muita coisa pra gente fazer.

Se você não tivesse em “missão externa”, hoje seria dia de, quem sabe, um churrasco alegre no jantar. Com picanha mal passada pra vc e bem passada pra mim.
E o dia terminaria como quase sempre. Cedo pra você e tarde pra mim.
Um dia especial disfarçado de dia comum. Sabe assim?

Se você não estivesse em “missão externa”.

9 de abril agosto. Dia de uma saudade só minha.

Sim, estou me repetindo, eu sei.

Liga não.

É que saudade de pai não cansa de fazer aniversário.

 


Foto: arquivo pessoal.

 

A fronha

Pareço boa dona de casa, mas são 21h45 de uma quarta-feira e eu, descabelada, ensaio o meu melhor sorriso e toco a campainha do apartamento 62. Um mocinho (lindo) abre a porta.

– Oi, boa noite, desculpa incomodar, mas eu moro no 82 e tem uma coisa minha na janela do seu quarto.

E #vou_tecontar que enquanto ele sorria de volta, com olhos claros e saltitantes, eu tentava explicar com alguma dignidade a minha trapalhada, que começou uns 20 minutos antes.

Quarta-feira, dia de trocar os lençóis. Escolhi o vermelho. Tirei o lilás. Amontoei e apoiei na guarda da janela, ao lado da cama. Gente pequena precisa chacoalhar lençol grande pra estender. Chacoalhei. Bateu na janela, o amontoado desequilibrou, corri pra segurar, mas a fronha caiu. Deu tempo de olhar pra baixo e ver o tecido aterrissar suavemente no acesso à garagem descoberta.

&$%#&*%#$@“~!!!!

E lá fui eu incomodar o zelador.

– Seu João, por favor, o senhor pode abrir o acesso à garagem descoberta pra mim?

– Mas o que você precisa, Lília?

– É que eu derrubei uma fronha pela janela.

Ele riu. E abriu. Resgatei depressa a fronha, me expliquei brevemente, me desculpei repetidamente.

Solidário, quase piedoso, Seu João teceu uns comentários (ruins) sobre a difícil vida da mulher moderna, que chega tarde do trabalho e ainda tem que cuidar da casa. “Mulher não descansa nunca”, sentenciou. Concordei com a cabeça, era o mínimo que eu podia fazer.

De volta ao lençol, percebi logo que faltava a outra fronha.

Olhei embaixo da cama.

Nada.

Chacoalhei os lençóis.

Nada.

Debrucei de novo na janela.

Nada no chão.

Que raios, eu já tava apelidando a infeliz de Malaysia e detectei algo suspeito duas janelas pra baixo da minha. Me inclinei um pouco mais e…

…putz, era ela!!

Certeza.

(repare na foto abaixo, feita da minha janela, o local exato onde a fronha parou)

 

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Porque na mega-sena eu não ganho, mas uma droga de janela estreita eu acerto sem ver!

Até pensei em deixar quieto, mas, poxa, é do joguinho e só tenho três joguinhos de cama! Então decidi:

Vou lá buscar. Agora eu vou até o fim.

Isso tudo resumido em poucas palavras e eu me sinto a louca da fronha na frente do vizinho do sexto andar.

Ele capta rápido a minha história, me poupa de detalhes sórdidos (que eu perguntaria no lugar dele), me convida pra entrar (fofo!) e vai lá dentro procurar a dita.

Parada na porta, noto que ele tem um companheiro na sala, parece que interrompi um TCC ou algo assim.

Quando ele aponta no corredor com a minha fronha na mão, só resta um ataque de riso coletivo.

– Acontece (diz ele, sorrindo).

É… comigo acontece.

 


Foto: arquivo pessoal.

 

Waze, uma paixão

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Te leva por trajetos nunca antes navegados, esquinas da vida que vc nem imaginava existir, ruelas com portais que te abrem os caminhos.

Mas daí chega o dia em que ele vai te levando, levando, vc vai confiando, confiando, virando aqui, virando ali…

…e quando vc tá numa rua escura, feia e sem saber nem pra que lado fica a sua casa, ele fica sem rede.

Roda, roda e nada.

Canalha!

 


Foto: arquivo pessoal.

 

Eu não vivi até hoje pra morrer assim

Ah, não!

E vou perder a estreia do novo filme do Woody Allen. E quem vai pagar o plano de saúde? E eu ainda não assisti todas as séries, nem li todos os livros que eu queria. E as férias, eu vou perder as férias que eu nem programei, eu não acredito que vou perder as férias!

Foi nesse nível. O auge de uma segunda-feira de terror e pânico.

E enquanto eu #vou_tecontar meu drama você pode clicar nessa trilha sonora aqui, ó:

Até então eu pensava que o pior acontecimento do meu dia tinha sido encontrar uma barata ao lado da mesa no trabalho. O susto logo cedo, a vergonha do susto, o grito, a vergonha do grito, o ritual da matança pelas mãos do colega heroi, a limpeza terminal (“Tia, passa álcool?”), a checagem do ambiente (vai que a família também veio).

Passou.

Até eu entrar no elevador.
Às 21h10.

Tudo ia bem até que bloft. Barulho. Uma, duas, três vezes. E tchoft. Chacoalhão. Vários.

Eu olhava o painel e torcia pra chegar logo o oitavo andar. Chegou. A porta não abriu. A merda da porta não abriu. Eu estava no oitavo e a porta não abria. Apertei o nove. Chacoalhou, fez barulho. E, de novo, a porta não abriu. Ficou quente, eu tirei o casaco. Eu precisava de um plano. Então eu liguei pro zelador.

– Seu João, socorro, eu tô presa no elevador. Essa droga tá fazendo barulho. Essa merda vai cair. Me tira daqui, seu João!

Ele me convenceu a apertar pra descer. E disse que se não desse certo ele ia desligar e religar o elevador e a porta iria abrir, como das outras vezes. Ele me garantiu que a porcaria da porta ia abrir.

Respirei fundo e cliquei no “T”érreo.

Começou a movimentar E bloft. E tchoft. E parece que eu fiquei ali um milhão de anos. O elevador nunca foi tão quente, tão lerdo, tão pequeno, tão barulhento.

Entre o nono e o quinto andar o meu mundo despencava com a porra do elevador. Nessa hora eu não vi o filminho, mas projetei mil coisas pro futuro. Tipo a família comentando:

– Morreu de quê?
– De elevador.

Nãooooooooo.

Era deprimente demais. Essa modalidade definitivamente não estava na minha lista de possibilidades de causa mortis. Ainda se fosse, sei lá, de avião – e voltando de viagem, né, porque morrer na ida acho injusto.

Então eu fiquei imaginando se eu sobreviveria à queda.

Porque se eu estava mais ou menos entre o sexto e o quinto andar, se a corda arrebentasse, qual seria a aceleração constante, quer dizer a velocidade de queda livre, ou melhor, a intensidade da força da massa em newtons, e foi quando eu me lembrei que nunca aprendi física e eu jamais conseguiria fazer algum tipo de cálculo pra saber se eu ia morrer ou não.

Mas eu concluí, mais ou menos no quinto andar, que se eu não morresse ia ficar toda quebrada no fosso do elevador. Porque elevador não tem airbag, né? E se ali tivesse mola, estaria enferrujada. E lá embaixo seria feio, sujo, escuro, cheio de mosquitos da dengue e baratas. E as famílias do mosquito que me picou e da barata que morreu de manhã iriam rir da minha morte no elevador à noite. Tipo ~ a Lei do Retorno.

Passada a fase da negação e uma vez concluído que eu ia despencar com o elevador, com lágrimas nos olhos desejei não estar sozinha ali.

Geralmente eu prefiro andar sozinha de elevador. Porque eu sou antissocial e elevador cheio me dá certa aflição. Mas nessa hora eu queria alguém. Sei lá, pra morrer comigo, pelo menos (é egoísta, eu sei).

Podia ser o Carlos, vizinho de porta, podia ser o vizinho da fronha do sexto andar, podia ser a babá da menina do nono e podia, até mesmo, no momento mais difícil, a mãe chata da criança que grita.

Na verdade era eu que queria gritar. Berrar até perder a voz. Eu até dei um gritinho – de susto. Igual o grito da manhã, pela barata. Mas daí lembrei que tem câmera no elevador. Foi quando ele parou – o elevador. Estava no quarto andar.

Silêncio. Porta fechada. Calor. Medo.

Eu queria esmurrar a porta. Mas pensei na câmera. Eu não queria que meu último registro em vida fosse de uma mulher desequilibrada, em pânico, urrando e esmurrando a porta do elevador que ia cair de qualquer jeito. Tudo em preto e branco. Eu não queria que os peritos analisassem esse tipo de imagem deprimente. Que minha família tivesse essa lembrança de mim.

Então eu me pedi calma. Me pedi pra respirar. Pensei em tomar gotas extras de floral, mas lembrei que o vidrinho não estava na bolsa.

E eu lembrei dos perrengues que passei ao longo da vida e das vezes que eu achei que ia morrer mas não morri. E achei uma baita sacanagem do Universo me salvar de tudo pra me deixar morrer na merda do fosso do elevador de um prédio velho num dia feio em São Paulo. Ainda se fosse em Paris.

E que ódio eu senti do síndico naquela hora! E de todos os que votaram contra a troca do elevador em assembleia. E apostei que depois da minha morte eles iriam trocar o elevador. E ia sair no SPTV: Mulher morre em queda de elevador em SP. Em seguida pipocariam na imprensa matérias sobre segurança em elevadores.

Eu já tava pensando no meu funeral (será que a família vai lembrar que eu quero ser cremada e não enterrada?) quando o zelador desligou e religou o elevador.

E o prelúdio do meu solo no fosso do elevador deu lugar a um último barulho.

E a porta abriu.

E eu não morri.

.

.

.

Mas agora só vou de escada, viu.

O dia em que eu queimei o amor

Era domingo. Eu ia sair. Mas acabou a luz. Já era noite. Procurei uma vela. Cadê? Não achei.

Abri gaveta, nada. Abri armário, nada. Onde será que eu guardei?

#vou_tecontar, mas enquanto isso você pode clicar nessa trilha aqui, ó:

https://youtu.be/359oIN0yeDI

Ok, vamos lá:  em que lugar, numa situação normal, eu guardaria uma vela?

> No móvel da sala

Água.

Vamos de novo: em que lugar, numa situação anormal, eu guardaria uma vela?

> …

Bingo!

Mas só tinha um toquinho. Acendi. O toquinho e eu ficamos ali no sofá, esperando a luz voltar.

Peguei o celular, bateria em 30%, queria navegar, mas decidi economizar (vai que…). Fiquei na janela, olhando a vizinhança ILUMINADA. Caramba! Não tinha chuva (faz tempo), não tinha ventania, não tinha motivo pra faltar energia e pelo jeito era SÓ NO MEU prédio.

Sentei.

O toquinho diminuía, meu tédio aumentava.

Sem luz > sem banho.

Sem luz > sem música.

Sem luz > sem filme.

Sem luz > sem internet.

Sem luz > sem telefone fixo (aquele que eu IA cancelar).

Sem luz > sem droga nenhuma pra fazer.

Sacanagem… eu IA sair.

Mas naquela hora eu já tinha outro problema > o toquinho.

Ele acabou.

Eu precisava de um plano.

Lembrei das velinhas decorativas. As florzinhas miúdas não iam durar 10 minutos. Mas tinha as pirâmides do amor. Uma duplinha de velas pequeninas em forma de pirâmide com uma inscrição japa e a palavra “Amor”. Ganhei de alguém, nem lembro quem.

Mas poderia eu queimar o Amor?

Eis o dilema.

Porque cada Amor ia durar, sei lá, uns 30, 40 minutos, se pá.

Mas eu não queria dormir cedo. Passava pouco das 19h30. Eu estava com fome.

Eu precisava de luz. Pelo menos uma chaminha suave pra passar creme de ricota nas torradas.

Então eu olhei pro Amor, quero dizer, pra vela.

Acender ou não acender?

Ah, é só uma vela – falou o fantasminha do lado esquerdo.

Mas é a vela do Amor – falou o fantasminha do lado direito.

Você vai queimar o Amor? – desafiou o lado direito.

Você vai ficar com fome no escuro? – perguntou o lado esquerdo.

Fiquei um tempo quietinha, olhando pro nada, o Amor ao lado. Impressionante como a cabeça da gente anda depressa quando o tempo anda devagar.

Cansada do breu, daquele papo de fantasmas e da dúvida sobre o Amor, decidi fugir de mim.

Risquei o fósforo. Acendi. E fiquei olhando a chama.

“Logo a luz volta e pronto, nem vai chegar a queimar o Amor”, pensei.

Daí os fantasmas todos gritaram.

Lado esquerdo, lado direito, um que parecia de centro e outro que estava aparentemente em dúvida (esse eu apelidei de Marina), todos queriam dar palpite. “Apaga“. ”Assopra“. ”Deixa disso“. ”É só uma vela“. ”Quanta bobagem“. ”As palavras têm poder“. ”Pelo menos não é a vela da Paz“. ”O Segredo“. ”É a chama da mudança“. ”Depois não reclama“…

Bla, bla, bla, bla.

Gente chata.

Aquela barulheira, a cera escorrendo e logo o pavio começou a se aproximar do Amor.

E nada da luz voltar.

O topo do A já estava comprometido, quando me refugiei num copo d´água. Duas torradas. Três torradas mastigadas no tempo da quase-escuridão e o Amor já estava semidestruído.

Simples assim. Uma chama fadada a se apagar.

Quer saber? Dane-se o Amor. Se a pirâmide tivesse alguma influência eu não estava aqui no escuro agora. Mas já vi que é do tipo que usa a palavra Amor em vão. Vela canalha. Merece queimar no fogo e morrer na escuridão.

O fato é que o primeiro Amor tava quase no fim quando, enfim, a luz voltou.

O segundo Amor sobreviveu. Intacto.

Por enquanto.

Faz mais de uma semana.

E ainda tem um lembrete na geladeira:

> comprar torradas

> e velas.

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