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O homem das flores – parte I

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“Se eu chegasse cinco minutos antes”.

Ah, essa tal condicional!

Por cinco minutos eu já perdi trem, compromisso e alguém. E por cinco minutos ontem eu persegui um homem, digo, umas flores, quero dizer, o mistério do homem das flores.

Tá, eu #vou_tecontar

Era uma vez o mês passado, uma segunda ou terça-feira.

Saí do trabalho no horário habitual, apressada pra não perder meu compromisso habitual. Tudo exatamente como habitual. Até a parada no farol – que sempre fecha na minha vez. Aquela olhadinha em volta – habitual – e vi passar um homem jovem, com um maço de flores na mão, que ele carregava de um jeito meio sem jeito. Tava na cara, flores pra ele não eram coisa habitual. O homem atravessou a rua, o farol abriu, a vida seguiu.

Na semana seguinte a cena se repetiu. Horário habitual, farol habitual e, ora, ora, outro homem com flores. Eram outras flores. Só que era o mesmo homem.

Será?

Achei que sim. Mas certeza só tive uma semana depois, com flores do campo. E aquele homem entrou pro meu cenário habitual.

O que o levaria a fazer tudo sempre igual?

Pergunta errada. Eu também faço meu igual. Mas meu igual não tem flores, quer dizer, passou a ter, as flores dele, aliás,

flores de quem?

No habitual seguinte, eram tulipas. Seriam pra esposa? Terreiro? Avó doente? Decoração de ambiente?

Eu precisava entender o habitual daquele homem, digo, daquelas flores. E fiz um plano:

“Se eu chegasse cinco minutos antes”.

Se eu chegasse cinco minutos antes poderia dobrar a esquina, estacionar o carro na garagem de casa e andar até onde ele comprava as flores. E ele estaria em sua rotina habitual, escolhendo, comprando, pagando.

Era isso.

No dia seguinte saí do habitual, digo, do trabalho cinco minutos antes. Mas o trânsito atrapalhou, perdi a condicional, perdi as flores, o plano falhou.

Passou.

Semana passada o habitual me mostrou flores do campo e um homem mais à vontade com aquele pacote. Ele atravessou a rua, o farol abriu, mas a vida não seguiu.

Até ontem.

Ontem não usei a condicional e não saí cinco minutos antes. Ontem o trabalho atrapalhou e saí uns cinco minutos depois. Ontem o trânsito estava melhor do que o habitual e chegou o dia em que eu cheguei cinco minutos antes. Eu virei a esquina, estacionei o carro na garagem e andei até o local das flores.

Lá estava ele.

Lá estavam elas.

Eram margaridas.

Fiquei ali como quem escolhe um vasinho. Escutei a vendedora perguntar se “ela” gostou das flores da semana passada e ele dizer “sim”. E só. Sem mais.

Então arrisquei: “às vezes te vejo passando com flores”.

Na verdade eu queria dizer “toda semana te vejo passando com flores, no mesmo horário, no mesmo lugar, então me fala logo o que isso significa ou eu não vou conseguir dormir essa noite”.

Mas eu não queria parecer a maníaca das flores, né? Eu não queria asssustar o homem das flores.

E ele sorriu.

E, sim, ele contou.

Há um mês, toda semana, ele leva flores pra mulher. Há um mês ela sofreu um acidente. Há um mês não foi só o susto. Há um mês ela perdeu o bebê.

Não vou explorar o drama do homem das flores, mas naquela noite do acidente a mulher esperava por ele. Ele estava atrasado.

Então eu entendi que as flores não eram só pra ela. Eram pra ele também.

E antes de seguir o trajeto habitual, com o maço de flores na mão, ele disse uma coisa sobre aquele dia que não lhe sai da cabeça:

– “Se eu chegasse cinco minutos antes”.

Então ontem eu saí do habitual.

Ontem eu comprei flores.

 

 

Quer saber a segunda parte dessa história? Acesse: 

http://voutecontar.blog.br/o-homem-das-flores-parte-ii/

 


Foto: arquivo pessoal (obra do Bansky).