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Melancia

Manhã de domingo em Pinheiros.

E enquanto eu #vou_tecontar você pode clicar nessa trilha sonora aqui:

 

O moço subia a Fradique Coutinho. Carregava uma ecobag com as compras do dia. Moço bonito – e sustentável. Óculos de sol, camiseta bem humorada.

Eu cruzava pro lado oposto da calçada, não notei se foi o celular que tocou, mas ele se atrapalhou tentando pegar alguma coisa no bolso. Foi tudo muito rápido e só vi uma melancia descendo a ladeirinha.

Sim, pulou da sacola.

Daquelas melancias pequenas, sem caroço, sabe?

Rolou.

A mulher logo atrás desviou. Um cachorro assustou e latiu – queria correr atrás da bola grande e quase arrastou a dona senhorinha pela coleira.

Um homem próximo à esquina tentou agarrar a dita, que escapuliu sem cerimônia.

O moço da ecobag, com o celular na mão, meio que corria, meio que segurava a sacola, sem tirar o olho do trajeto da fruta.

Acho que o bairro parou nessa hora.

Fatalmente a melancia baby ia cruzar a Artur de Azevedo. Farol aberto. Se sobrevivesse, talvez parasse na boca do bueiro.

Pois, que ventura, atravessou!…

E quando invadiu a ciclofaixa, vinha vindo uma bike.

Melancia cinematográfica.

Não é sobre sapatos

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Eu tinha quatro ou cinco anos. E ganhava um sapato vermelho de presente. Era um modelo boneca, confortável, de um vermelho forte e acabamento que parecia um verniz suave. O fecho prendia a tira no terceiro furinho.

#vou_tecontar que era a coisa mais linda o meu sapato vermelho.

Fazia toc toc quando eu caminhava. E enquanto eu andava pra lá e pra cá no chão de madeira pra escutar a música do meu sapato, abri os olhos. O quarto estava cinza e era de manhã. Fechei de novo pra procurar o sapato vermelho e não achei. Pulei da cama, abri o armário da direita e meus olhos ansiosos vasculharam o cantinho inferior.

O tênis branco e azul da escola estava lá. A sandália branca de couro macio também. E os chinelinhos. Mas sapato vermelho não tinha ali. Nem de luz acesa, nem de luz apagada.

E assim eu entendi que era sonho. Eu perdi o meu sapato vermelho e eu só tinha quatro ou cinco anos.

Por muito tempo eu pensei naquele sapato.

Aos dezenove comprei um all star vermelho. Era o meu predileto, tenho até hoje. Aos vinte e dois achei um modelo similar, mas era verde. Comprei uma meia vermelha e usei a dupla até cansar. Aos trinta, cada vez que eu entrava numa loja era o vermelho que eu procurava. Teve uma vez que vi um parecido, mas não encaixou no meu sonho, não era o meu número.

Ano passado, pela primeira vez bati o olho num sapato vermelho que não era tênis, que não era verde e que serviu. Eu gostei, é arredondado, dá conforto. Fiz o sapato caber no meu sonho por R$ 139,90. Eu adoro o meu sapato vermelho.

Só que é vermelho, mas não tem fecho. É vermelho, mas não tem música esse sapato.

Talvez eu nunca tenha um sapato vermelho com fecho, com terceiro furinho e com música.

Porque eu só tinha quatro ou cinco anos.

E quando se tem quatro ou cinco anos a gente pode sonhar qualquer coisa.

 


Imagem: huffingtonpost.com

 

Briga de casal

Aconteceu uma coisa desagradável.

Uma briga de casal.

E enquanto eu #vou_tecontar você pode clicar nessa trilha sonora aqui:

Tudo começou porque a minha geladeira estava vazia. O que por si só já é desagradável – e geralmente acontece de segunda a sexta e se repete sábado e domingo.

Pra quem se comoveu, doações podem ser combinadas por e-mail.

Mas o fato é que eu saí pra comprar o jantar. Quando abri o portão, tinha um moço engomado do lado de fora.

– Você vai entrar? (perguntei, gentil, segurando o portão)

– Ah, sim, é que estou… esperando a minha namorada. (ele pronunciou “mi-nha-na-mo-ra-da” em alto e bom som, saboreando cada vogal e consoante) 

Ou seja, namoro novo.

Eu quis ser legal, tava frio, deixei ele entrar:

– Então vai lá. (sorri)

E acho que ele levou ao pé da letra.

Enfim.

Eu fui num pé e voltei no outro. Quando abri o portão na volta, jantar na mão, trombei com um rapaz (outro) que saía apressado, todo mal educado. Entrei no elevador e, conforme subia, entre o segundo e o sétimo andar, escutei o eco de um quebra-pau. Daqueles.

Da-que-les!

Daí fui juntando palavras soltas: “Não acredito”, “você fez isso”, “um cara”, “sua casa”, “te esperando”, “sou idiota”, “#@$/&*”.

Paca, maca, caca, não… foi “vaca” mesmo.

É.

Daí deduzi o resto. Ou o possível resto. Ou seja, tudo o que aconteceu nos minutos entre a chegada do moço engomado e a briga. Entre um pé e outro da compra do meu jantar.

Possível versão: o engomado novo chega inesperadamente porque alguém-EU abre o portão pra ele. Ele sobe e encontra o “outro” lá, na casa dela. Azedou. (detalhes sórdidos por sua conta)

Mas tô até agora tentando criar outra versão. Uma versão em que eu não me sinta… culpada.

Tipo: coincidência.

O casal da briga na verdade é outro casal, num dia de fúria, e não tem nada a ver com o moço engomado do portão. E o rapaz que eu vi sair é só o irmão mal humorado da vizinha chata do nono andar. Porque ela tem mesmo cara de quem tem um irmão mala.

Ou então: um engano.

O engomado deduziu um flagra que não existiu, pois se tratavam apenas de dois bons grandes amigos de infância se abraçando em despedida.

Pode ser!
Não pode? …

Certeza?

Poxa, gente, eu abri o portão.
Eu disse: “vai lá”.
E ele foi.

Seria razoável dizer que o problema todo foi… a geladeira?

Agora não sei.
Mando flores pra vizinha?
Dou um abraço?
Bolo de chocolate?

Não consigo parar de pensar no moço engomado no portão.
Articulando com fé e orgulho:

“mi-nha-na-mo-ra-da”.

Pena.

Procuro professor de inglês

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Para relacionamento não muito sério nem tão duradouro.
Capaz de ajudar a refrescar minha memória de peixe – tipo aquele azul, do filme, como chama mesmo? Então.
Que seja paciente com meu aprendizado lento, mas que me ajude a evoluir rapidamente – e que concorde que miracle é uma palavra forte, ficamos com challenge.
De preferência um professor que não dê lição de casa. Mas, se der, que não seja assistir as temporadas de Friends ou Game of Thrones. Daí não rola.
Procuro um professor capaz de explorar e interpretar a comunicação não verbal. Porque eu me desdobro pra me fazer entender.
Rir é permitido. E recomendado. Na verdade, bom humor é desejado.
Quero um professor que não me odeie (profundamente) por forçar o uso de palavras que eu gosto, tipo lobster, e evitar as que tenho dificuldades de pronunciar, tipo tough, though, through e thorough.
Que não me julgue por deturpar phrasal verbs e aceite que eu talvez nunca aprenda gramática. Mas que não desista de mim mesmo assim.
Se for brasileiro, não `vai estar cometendo´ muitos erros de português, mas que supere minhas graves escorregadas no inglês – “aluna exigente procura professor condescendente”, porque a vida não é justa.
Se gringo, podemos trocar serviço. Só não me peça pra ensinar samba e análise sintática. Porque aí eu dou o truque.
E, olha, não pode ser, assim, muito bonzinho. Procuro um professor, NÃO um ursinho.
Importante que goste de cinema, teatro, boa leitura e trilha sonora. Que não use o repertório pra medir as pessoas. Mas, claro, aceite que Woody Allen, Leminski, Lewis Carroll e Norah Jones estão acima do bem e do mal. Fazem a nota de corte.
Quero um professor que goste de viajar. Caso contrário, melhor nem sair de casa. Não vai ter química. Nem inglês.
Belos olhos contam pontos. Me prendem a atenção – a aula rende mais. Isso é lógica pura. Juro.
De preferência quero um professor que não fume. Beber pode. Inclusive em serviço.
Espero que não me peça pra ler Joyce. E compreenda que meu livro de cabeceira hoje é (só) um (1) guia ilustrado de viagem. Sim, eu gosto de ver as figuras.
E aconteça o que acontecer nunca me pergunte se eu visitei o castelo do Harry Potter – #neverharrypotter´scastle.
Porque não.
E aconteça o que acontecer, Snoopy está sempre lá, podemos usar a qualquer tempo – #peanutsforever.
Que o professor aceite que eu posso deixar Poe, Blake, Woolf e até Shakespeare de lado. E dar preferência a Bolaño, Llosa ou Cortazár em algum momento. Mesmo não sendo aula de inglês e espanhol.
Que eu posso trocar filme cult por comédia romântica à vontade. E até ver novela vez ou outra. E que nada disso configura traição. Pode chamar de ecletismo. Pega bem pra mim.
Procuro um professor que de preferência more perto. Ou que não more longe, vá. Prefiro aulas presenciais.
Se gostar de pão na chapa é legal – #breadonplate.
Porque sim.
Um professor com horários flexíveis é o ideal. Prometo (tentar) não ligar depois da meia noite.
Ah, o professor pode ter um gato preto. Mas daí tenho que descontar o valor do antialérgico. Tá, esquece essa parte, eu não quero o Gargamel (o gato dele é preto ou amarelo?), procuro um professor. E ainda me dou melhor com cachorros. Embora gatos sejam mais poéticos.
O professor pode usar óculos, cachecol e tênis, tipo all star. Camisa lisa ou xadrez. Listrada colorida não pode. Só se for o Wally. Sem pompom no gorro. Tudo bem, não vou me ater ao figurino, isso não deveria ser relevante – mas, por favor, que não me apareça de boné e corrente.
Eu quero um professor que saia de casa sem ler horóscopo e que possa não julgar as pessoas pelo signo solar – e aqui tô só me defendendo. Mas de vez em quando podemos dar uma espiada na Susan Miller, sem compromisso.
Não vale me chamar de sweetheart nem falar lovely pra tudo, o tempo todo. Trauma é trauma, não se discute.
Pode usar dear, mas, por favor, não erre o meu nome. Nem em português, nem em inglês. Nem em qualquer droga de dialeto. Talvez em francês. Talvez um Liliá. Porque daí não é erro, é acento. E é charmoso.
Talvez eu nunca ache o professor de inglês da minha vida.
Então aceito um professor de inglês comum.
Que seja gente boa.
E paciente.
Tá, pode até ser uma professora.

 


Foto: theguardian.com

 

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