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Tem alguém aí???

Daí que depois de um longo dia de trabalho eu chego em casa, saio do elevador e encontro a minha porta aberta. Com a chave pendurada pra fora. Aberta mesmo, não apenas destrancada.

Escancarada.

#Vou_tecontar que o meu coração quase salta da boca. Mas antes salta o nome da diarista (será possível que ela ainda não foi embora?).

Nada. Só o som da TV ligada, baixinho.

Caramba, a Pixie! Cadê a minha cachorrinha?

E antes que meu coração despencasse escada abaixo, vem ela me receber.

Pego no colo. Pergunto se está tudo bem.

– Pixie, tem alguém aí dentro?
– Oi, alguém?

Nada.

Entro devagar, olho cada cômodo, ainda desacreditando na situação.

Ninguém. Nem visita nem ladrão.

Das duas uma: ou a diarista foi sequestrada após deixar tudo em ordem ou ela foi embora habitualmente às 16h30 e esqueceu a minha porta totalmente escancarada.

Sim. Porta aberta, chave pra fora, tudo à disposição e a Pixie livre pra passear pelo prédio e chegar até a rua.

Ainda não processei o acontecimento. Só tô agradecendo que minha floquinha é boazinha.


Foto: arquivo pessoal.

Sabe quando todos olham pra você?

Parei na padaria. Pedi um café bem forte e um pão na chapa.
#Vou_tecontar que as pessoas me olhavam – todas elas.
“Devo estar muito abatida”, pensei.
Ou estaria eu suja? Não, eu não ando suja.
Putz, será que desenvolvi algum tipo de mania?
Porque tive certeza: todos me observavam de forma estranha.

O moço no balcão era o mais curioso, com óculos fundo de garrafa e camisa xadrez. Parecia fixado. Na fila do caixa ele estava logo atrás e nem disfarçava. Deu medo que fosse um maníaco. Ou será um conhecido que não reconheço insone?

Caminhei pra casa (e olhei pra trás duas vezes pra ver se não estava sendo perseguida), entrei, não lembro se tranquei a porta e fui lavar o rosto.

Quando olho no espelho leio o adesivo na minha blusa, com letra de forma:

“ACOMPANHANTE”.

Não consta o logo do Hospital. 

Eu já completava 30 horas sem dormir e uns 320 Km rodados.
Nada mais havia a declarar.


Sim, eu estava acompanhando minha irmã no Hospital até então.

Imagem: fatosdesconhecidos.com.br

O dia em que eu passei por caloteira – Parte II

#Vou_teContar que a Eletropaulo não veio.
😣😠🌡☇💣💫

Eu tenho aqui um pacote de velas. Mas apenas um fósforo.
Não, eu não fumo.

Tá escurecendo.
A bateria tá acabando.

Sabe, eu tô pensando… posso fazer um gato e puxar energia do corredor do prédio!!!
Sim, eu vou fazer. ^^

Me julguem.

Algum tempo depois…

Meio dia. Nada da Eletropaulo. Ligo lá e a atendente só sabe dizer “o prazo é de 24 horas”.

Explico meu desespero. Preciso trabalhar. Preciso de Internet pra trabalhar! Estou presa em casa esperando o funcionário da religação!

Apelo: Moça, tô perdendo tudo o que tem na geladeira! E ela papagaia: “24 horas”. E ainda me aconselha a tirar o que tem na geladeira.

Pergunto: e fazer o quê, criatura? Jogar pela janela?

Sim, a realidade supera qualquer ficção.

Vai voar peru pela janela.
Já já.

No final da tarde…

A Eletropaulo veio. 

Veio na última hora do prazo de 24h.
E foi mais ou menos assim:

– Moço do céu, que perrengue a Eletropaulo faz a gente passar! Vou te falar, é um absurdo isso!

– Nem fale, moça. Aconteceu com monte de gente, e tudo conta do mês 9. Tem um monte de religacões pra fazer.

– Mas que palhaçada! Parece de propósito!

– Olha, moça, eu acho que é de propósito mesmo. Eles nem emitem a conta e depois saem cortando. Pra religar.

O zelador:
– Todo mês vem conta de um ou dois apartamentos faltando. Acho que é de propósito mesmo.

Pois é, Brasil.

O dia em que eu passei por caloteira – Parte I

Sabe o que é mais desagradável do que ficar sem luz no meio do expediente?

Ficar sem luz no meio de expediente porque te acham caloteira! #Vou_TeContar como foi:

Toca o interfone:

– Dona Lilia?
– Oi, Seu João, boa tarde.
– O rapaz da Eletropaulo está aqui pra cortar a sua luz.
– Oi?? Mas por quê?
– Ele diz que é falta de pagamento.
– Como assim? Mas tá tudo em débito automático.
– Pois é, mas ele diz.
– Espera aí que eu vou descer, Seu João.

Daí que por algum problema do banco a conta de luz do mês de outubro/2016 ficou em aberto. Todas as contas seguintes foram pagas normalmente, mas a do mês 9 não.

Daí que por isso o moço veio cortar a luz. Daí ele disse que não tinha jeito, que ele iria cortar, que ele é monitorado por GPS e que eu deveria pedir a religação urgente, que seria rápido, até 4 horas, mediante uma taxa de religação.

Só que não.

Paguei pelo celular e liguei no 0800.

Blá blá blá número da instalação
Blá blá blá disque 2
Blá blá blá cai a ligação
Blá blá blá tudo de novo
Blá blá blá e…

– Senhora, nosso sistema de religação em 4 horas está suspenso desde agosto. A senhora terá de aguardar 24 horas, em casa, com o comprovante de pagamento em mãos para apresentar ao funcionário + CPF e RG.

– Moça, eu trabalho em casa e eu preciso de luz pra trabalhar.

– Entendo senhora, mas não posso fazer nada.

– Moça, então eu mando o comprovante agora por e-mail e quando o funcionário vier ele religa, pode ser?

– Não pode, senhora, a senhora terá de aguardar no local.

– Mas eu preciso trabalhar, moça!

– Mas a senhora não trabalha em casa?

– Sim, minha filha, mas eu preciso de luz pra trabalhar, caramba, então eu vou pra algum lugar onde tenha luz, sabe assim? Tipo Starbucks, tipo a casa do vizinho, tipo a PQP.

– Não pode ser assim, senhora.

– Você quer que eu fique em casa, sem luz, sem trabalhar, sem fogão, sem geladeira, com esse calor, esperando até amanhã o seu funcionário aparecer?

– Isso mesmo, senhora.

– Isso é uma palhaçada, moça. Eu preciso trabalhar e eu não posso ficar presa em casa por causa de vocês. Que raio de sistema burro é esse?

– É assim que funciona, senhora.

Agora eu tô aqui.

Sem luz, sem telefone, sem wi-fi e puta da vida com o “sistema” que me faz passar por caloteira.
E pensando num roteiro extra de Relatos Selvagens envolvendo a Eletropaulo.   👿 

 


Continua…

Cabeleira, cabeloira

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Os primeiros cabelos brancos costumam ser alvo de maus pensamentos das mulheres. São o primeiro indicativo concreto – ao vivo e sem pigmento – de que o gráfico da vida vai se inverter e a queda é inevitável. Dramático, mas bem real.

O branco aparece, a gente arranca. Diz a lenda que nascem sete (7!) a cada um (1!) que é assassinado. Deve ser verdade pois, conforme negamos, um a um, eles se multiplicam rápido pela cabeça. E #vou_tecontar que eles judiam quando começam a se destacar mesmo com o cabelo molhado, vários, espetados, rebeldes. Nessa etapa, arrancar já não é mais uma opção. O prata grita no espelho e não, não dá efeito glamour.

Nada contra pintar o cabelo, mas não acho uma boa ideia ser sócia da L´Oreal desde já e pra vida toda. É um contrato indesejado, desvantajoso, quase cruel. E os efeitos cumulativos da tinta sobre o cabelo são como os do tempo sobre a pele… sem volta. Ressecamento, queda, opacidade… e não adianta dizer que o mercado evoluiu e as tintas de hoje tratam os fios e bla bla bla whiskas sachê. Estraga. É ruim.

Sem falar na preguiça de incorporar um novo ritual à vida, já tão cheia de procedimentos. Frequentar $alão na obrigação pra manter a cor natural e esconder a famigerada raiz dá deprê. É pagar pra parecer que você continua exatamente igual. E, vamos combinar, aquele efeito artificial-barato-caseiro-amarronzado-acobreado-cafoninha de farmácia não rola.

Loira oxigenada deve penar bem menos nesse momento da vida. Habitué dos salões, talvez nem realize a invasão dos brancos bárbaros. Já nem lembra mais a exata cor natural dos fios mesmo. E está sempre com o pincel na cabeça mesmo. A rotina não muda mesmo. O bolso já acostumou mesmo. O espelho já nem liga mesmo. Não é mesmo?

Tenho lembranças da minha mãe com reflexos – moda nos anos 80 para disfarçar a passagem dos anos. Linda, bem cuidada, com pele e olhos realçados, aparência saudável. Mas isso foi no tempo das ombreiras, gente. Viramos o milênio e ninguém ainda foi capaz de evitar esses malditos despigmentados? Como é que pode? Murphy sempre de plantão: não herdei a beleza de miss da minha mãe, mas herdei a tendência ao branco precoce e o mau colesterol. Maravilha.

Em busca de alternativas, uma consulta à cabeleireira e o diagnóstico fatal: mulher não fica velha, fica loira. Melhor você fazer luzes suaves, não muito claras… fica discreto, dura bastante, não compromete e disfarça bem. Nessa hora senti uma paulada. Como se estivessem me empurrando pro abismo da loirice, sem chance de defesa, sem um cipó pra me agarrar, de onde eu gritaria “me tirem daqui!”

E, desde então, vinha adiando a medida, da mesma forma que adio o laser facial, o bloqueador 50 (ainda estou no 30), o ômega 3, o Yakult 40. Na primeira versão desse texto, de 2011, eu achava que de 2012 não passaria. E eu imaginava várias vezes como seria. Aquele cheiro de tinta, o papel alumínio, os minutos de espera e o choque de me ver velha, ops, iluminada. Eu olharia atentamente pra imagem no espelho, procurando Dori. E diria: cadê eu? Eu me quero de volta.

Teimosa que sou, durante quase 5 anos eu me segurei firme no tonalizante castanho eventual. Me agarrei ao argumento de que não tenho alma loira e que algumas sessões de luzes = uma passagem aérea. Busquei honradez na despigmentação paulatina, lutei ferozmente por uma transição suave, cogitei pratear. Acreditem, eu resisti bravamente até meados deste ano.

Até que, vencida pelo espelho, pela recorrência desgastante, entreguei os pontos e os fios aos cuidados da colorista. Saí iluminada por fora e sem passagem aérea nas mãos.
Naquele dia e nos dias seguintes, eu falei: cadê eu?

Depois passou.
Porque é mesma alma por dentro.

Sabe, eu acho que resiliência é uma lição do tempo.
E o pigmento é certamente o menor dos meus dramas hoje.

 

PS. E se vc tá achando que eu fiz um texto animador, tá enganado, viu. Eu só quero dizer que tem merda bem pior rolando. 😉

 


Foto: arquivo pessoal.

Dia dos Pais e a menina da fotografia

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Esses dias eu estava esvaziando um HD antigo e encontrei a última foto com meu pai. #vou_tecontar que foi a primeira vez em 9 anos que consegui olhar pra ela sem me debulhar em lágrimas e soluços incontroláveis.
Derramei lágrimas, sim, mas além da saudade apertada, vieram muitas lembranças boas. Porque eu dei muita sorte com pai nessa vida.

E hoje, nesse clima de Dia dos Pais, eu olho pra primeira e pra última foto de nós dois juntos (talvez até exista outra primeira, mas eu só tenho essa), e me lembro de quantos momentos bons tivemos. E do quanto ele ainda está presente na minha vida. De como eu quase escuto a sua voz de vez em quando, fazendo uma piada, me dando um conselho.

Eu não me recordo da primeira foto, claro, eu só tinha 2 anos. Mas me lembro de um pai presente, carinhoso, cuidador, paciente, que me ensinou a caminhar na vida e sempre esteve ao meu lado em qualquer circunstância.

Da outra foto eu me lembro exatamente, e com detalhes. Foi em março de 2007, registro de um celular Nokia velhinho que eu tinha em mãos nos últimos dias que passamos juntos. Era o fim de um período em que os papeis se inverteram e eu tive a chance de poder cuidar, amparar e tentar suavizar dores físicas e emocionais (nem sei se mais as dele ou as minhas).

De alguma forma eu queria retribuir minimamente o pai incrível que ele foi, estando ao seu lado, fazendo o possível e o impossível pra tirar seu sofrimento, para dar alívio e colocar um sorriso naquele rosto, que tantas vezes me fez sorrir só por existir.

E por mais que tenha sido um período terrivelmente difícil, sim, ele sorria, ele fazia piada, ele tinha paciência e tornava tudo mais leve.

Eu tinha 29 anos quando disse alto pela última vez:

– Pai, eu amo muito você. Você é o melhor pai do mundo, nunca se esqueça disso. E quando você acordar, a gente vai fazer um passeio bem gostoso.

Ele não acordou.

Mas a verdade é que, lá no fundo, essa menina de 2 anos da fotografia vai esperar pra sempre.

<3

Com as boas lembranças. Que são lindas.
Feliz Dia dos Pais.

 


Foto: arquivo pessoal.

Ali na sarjeta

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Manhã cinza e fria em SP.
Na sarjeta da Engenheiro Ary Torres vejo de relance sonhos de 2017.
De todo o resto de uma vida idealizada.

Ali, na sarjeta, os sorrisos, as mãos entrelaçadas, os olhares de cumplicidade, as noites de alegria.
O cachorro vira-lata, as viagens pra montanha, as macarronadas de domingo.
Ali na sarjeta os filhos que eles não vão ter.

Ali na sarjeta um beijo seco, amarelado pelo tempo, murcho, sucumbindo à inanição sem cuidado e atenção.
O resto doloroso e espinhoso do amor da vida toda.
Ali na sarjeta o último gesto desnudo, a busca de um laço, a tentativa falida entregue num só maço.

Ali na sarjeta, um ponto vermelho sobre cinza, feito sangue esfriando sobre asfalto cru.
O último suspiro, quase sem pulso depois do último impulso.

Ali na sarjeta, de relance, feito morte instantânea por acidente.

Eram rosas vermelhas.
Eram flores jogadas naquela sarjeta.

Vi assim, de relance.
Ali na Engenheiro Ary Torres.

 


Imagem: eutanasiamental.com.br

O mistério da meia desaparecida

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Os dias em São Paulo têm sido frios. Muito frios. Não sei você, mas eu sofro no frio. Abomino dormir sem poder me mexer direito na cama porque na área ao lado existe um iceberg. E sem poder levantar pra ir ao banheiro sem desejar uma bexiga extra nem que me custe o dobro. A verdade é que, pra mim, se passou de um edredom virou Alasca.

Não me entenda mal. Frio pode, sim, ser legal. Mas não na rotina de São Paulo, numa vida sem preparo nem calefação. Frio é legal em Paris, Londres e Nova York. Frio é legal quando você tem 2 Kg a menos pra comer fondue de chocolate sem dó. Garrafas de vinho bom e fígado em dia. Ponto.

Dito isso, preciso dividir com você um acontecimento, no mínimo, curioso, pra não dizer logo misterioso: #vou_tecontar que um pé de meia sumiu. Desapareceu. Sem deixar rastro nem bilhete.

E não foi na máquina de lavar (porque eu sei que máquinas de lavar possuem um portal que levam meias desparceiradas para o fantástico mundo das meias e nunca mais devolvem. Lá elas se libertam de suas obrigações sociais e formam novos pares, sem restrições de cor, tamanho ou origem).

Pois bem, vou explicar o caso pra que você possa me ajudar, quem sabe, a decifrar. Ou terei que chamar Sherlock.

Ocorre que ontem estava frio, como você deve saber. E eu usava uma meia quentinha pela casa, de modo que tava tudo sob controle com meus pés. À noite, na hora de tomar banho, eu tirei a calça antes de tirar a meia. Deixei a meia por último porque meus pés ficam gelados muito facilmente.

Daí que a calça engoliu a meia. A meia do pé direito escorregou e foi ao chão. Mas a meia do pé esquerdo não. A meia do pé esquerdo desapareceu na calça. De início, eu achei que ela tinha ficado presa na perna da calça e seria facilmente resgatada. Virei do avesso. Nada. Olhei pelo chão, debaixo da cama, atrás da mesinha (quem sabe teria sido arremessada à distância)… pois nada.

Cara, a meia SUMIU!

Pois fui tomar banho, peguei minha mantinha, tomei um chazinho, respondi e-mails. Pensando na meia. Antes de dormir, procurei de novo. Porque às vezes a coisa tá no nosso nariz e a gente não enxerga, né? Nada. Eu dormi pensando naquele pé de meia. Capaz até de eu ter sonhado com uma meia rindo da minha cara.

Hoje cedo, vasculhei o quarto novamente. Que raios, onde foi parar essa droga de meia? A janela nem tava aberta pra ela escapar! O fato é que agora o pé de meia direito está sozinho. Sem par. Descombinado. Praticamente um inútil em sua existência “meiística”.

Sim, eu tenho outros pares de meia. Vários. Quase todos iguais, inclusive. O que me incomoda não é “abrir mão” de um par de meia ou usar meias descombinadas. O que me incomoda é esse desaparecimento sem explicação. Essa piadinha de duende. Essa tiração de sarro de espírito de porco. Esse desafio à minha sanidade mental em pleno dia se semana.

Pô!

Daí, quando a diarista chegou, eu apresentei o pé direito pra ela e disse: se você encontrar o outro pé dessa meia aqui, ganha um doce. Ele está desaparecido desde ontem, por volta das 20h30, no meu quarto. Valendo. Boa sorte!

E saí pra trabalhar. Com meias listradas e compridas. Porque são mais difíceis de escapar. Acho.

Agora tô aqui sentada, na frente do computador. E adivinha o que não me sai da cabeça?

 


Foto: apartmentguide.com

Horinha do adeus

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Eu assinei um papel. Depois desejei boa sorte.

E fiquei parada na calçada, olhando ele se afastar rapidamente até dobrar a esquina. Então eu dei meia volta nos calcanhares, respirei fundo, caminhei algumas quadras e peguei o metrô. Assim eu me despedi do meu velho carrinho hoje na hora do almoço.

#vou_tecontar que detesto despedidas.

Ainda que seja só um carro, sim, é só um carro, mas era o meu carrinho-amigo.

E enquanto eu caminhava, lembrei do quanto ele foi parceiro, do quanto caminhamos juntos.

Mais de 5 anos e 30 mil quilômetros. E olha que ele já não era um jovem quando veio pra mim. Era um adulto de 60 mil quilômetros rodados e 6, 7 anos de uso. Eu vinha de uma sequência de dois carros furtados, sustos e um baita prejuízo (felizmente apenas material).

Logo que eu comprei, minha avó me deu essa proteção (foto), que habitou o retrovisor desde então. Hoje, quando eu a tirei de lá, apenas agradeci. Com a energia do que representa (cada um com a sua crença), com o bem-querer da minha avó, com o pensamento positivo, ele me trouxe uma fase melhor.

Finalmente com esse carro eu tive sossego sobre rodas. Nunca me desapontou nem deixou na mão. Passou em todas as inspeções veiculares (sem ter que estudar), me levou e me trouxe de tudo quanto foi lugar (sem reclamar). Me escutou rir e chorar. Passou no farol verde, amarelo e até vermelho (culpa minha). Andou na terra, no paralelepípedo e no asfalto. Tomou algumas multas de velocidade, de rodízio e uma de estacionamento proibido.
E nunca se queixou.

É ou não é um super brother?

E quando eu esvaziei a carteira de documentos, ainda achei uma listinha de desejos para 2010 (!), que ficou guardada ali. Rapidamente pude verificar, item por item, quantas coisas boas eu realizei de lá pra cá…

– terminar a pós-graduação (check);
– pintar o apartamento
da mami (check);
– ter mais vida social (check, mas precisa melhorar);
– sorrir mais (check);
– rir muito mais (check);
– mais saúde (check, tirando a dengue);
– praticar mais atividade física (check, pilates always);
– emagrecer 2Kg (fail, as always);
– viajar mais (check, 2011 teve Europa 😀 );
– tirar férias (check, mas falta melhorar aqui);
– trocar de trabalho (check naquela época);
– seguir em frente com independência (as always); 
– ser mais generosa (check, assim espero);
– ver minha família mais feliz (check, acho);
– trocar de carro (cá estou eu novamente, veja só);

e outras coisitas mais, que eu guardo aqui pra mim.

É isso.
Vida que segue.

Vai, carrinho, vai fazer alguém feliz.
Obrigada pela caminhada and Don´t Stop!

😉

Sobre persistência e a elegância de voar sozinho

Bem-te-vi - pitangus sulphuratus, pelas lentes do meu Tio-fotógrafo-passarinheiro Marco Guedes.
Bem-te-vi (pitangus sulphuratus), pelas lentes do Tio-fotógrafo-passarinheiro Marco Guedes.

 

Manhã de feriado, 21 de abril em SP, 8h50.
Bem-te-vi.

Um bem-te-vi perto da janela chamava. Ninguém respondia.
Tentou uma, duas, três. Nada.
Silêncio.
Insistiu. Uns 4 minutos.
Em vão, cantou na solidão.
Uma melodia que ninguém completou. Nem pássaro, nem gente.
Sabe como é: um fala, outro responde e alguém manda a frase completa? Então, #vou_tecontar que não teve.

Sua tentativa solitária foi enfraquecida por periquitos em algazarra. Aquela gritaria de comadres, sabe?
Uma falando em cima da outra, levantando a voz, ninguém parece se entender, mas depois fica tudo bem.
Alguém sabe se periquito tem ascendência italiana?

O fato é que a turminha – se bem me lembro, o coletivo de passarinho deve ser revoada ou passarada, mas vou chamar de turminha mesmo – , a turminha tinha pulmão.

Mas fiquei mesmo é pensando no bem-te-vi.
Falando sozinho numa manhã encalorada de feriado outonal.
Foi de uma persistência admirável.
Louvável.

E melancólica.

Logo sua fala foi duramente abafada pelo som de um motor histérico. Tipo uma Brasília velha na ladeira.
Mas se esse modelo de veículo automotivo te remeteu de alguma forma ao Planalto Central, por favor esquece. Pensa num fusca velho e tudo bem. Ou num cortador de grama.

O bem-te-vi enfim soube que era hora de desistir.
De seguir em frente e, com elegância, apostar num voo solo.
Esperto o bem-te-vi.
Mais esperto do que muita gente.

 


Foto: Bem-te-vi (pitangus sulphuratus), por Marco Guedes.