Manhã cinza e fria em SP.
Na sarjeta da Engenheiro Ary Torres vejo de relance sonhos de 2017.
De todo o resto de uma vida idealizada.
Ali, na sarjeta, os sorrisos, as mãos entrelaçadas, os olhares de cumplicidade, as noites de alegria.
O cachorro vira-lata, as viagens pra montanha, as macarronadas de domingo.
Ali na sarjeta os filhos que eles não vão ter.
Ali na sarjeta um beijo seco, amarelado pelo tempo, murcho, sucumbindo à inanição sem cuidado e atenção.
O resto doloroso e espinhoso do amor da vida toda.
Ali na sarjeta o último gesto desnudo, a busca de um laço, a tentativa falida entregue num só maço.
Ali na sarjeta, um ponto vermelho sobre cinza, feito sangue esfriando sobre asfalto cru.
O último suspiro, quase sem pulso depois do último impulso.
Ali na sarjeta, de relance, feito morte instantânea por acidente.
Eram rosas vermelhas.
Eram flores jogadas naquela sarjeta.
Vi assim, de relance.
Ali na Engenheiro Ary Torres.
Imagem: eutanasiamental.com.br