A fronha

Pareço boa dona de casa, mas são 21h45 de uma quarta-feira e eu, descabelada, ensaio o meu melhor sorriso e toco a campainha do apartamento 62. Um mocinho (lindo) abre a porta.

– Oi, boa noite, desculpa incomodar, mas eu moro no 82 e tem uma coisa minha na janela do seu quarto.

E #vou_tecontar que enquanto ele sorria de volta, com olhos claros e saltitantes, eu tentava explicar com alguma dignidade a minha trapalhada, que começou uns 20 minutos antes.

Quarta-feira, dia de trocar os lençóis. Escolhi o vermelho. Tirei o lilás. Amontoei e apoiei na guarda da janela, ao lado da cama. Gente pequena precisa chacoalhar lençol grande pra estender. Chacoalhei. Bateu na janela, o amontoado desequilibrou, corri pra segurar, mas a fronha caiu. Deu tempo de olhar pra baixo e ver o tecido aterrissar suavemente no acesso à garagem descoberta.

&$%#&*%#$@“~!!!!

E lá fui eu incomodar o zelador.

– Seu João, por favor, o senhor pode abrir o acesso à garagem descoberta pra mim?

– Mas o que você precisa, Lília?

– É que eu derrubei uma fronha pela janela.

Ele riu. E abriu. Resgatei depressa a fronha, me expliquei brevemente, me desculpei repetidamente.

Solidário, quase piedoso, Seu João teceu uns comentários (ruins) sobre a difícil vida da mulher moderna, que chega tarde do trabalho e ainda tem que cuidar da casa. “Mulher não descansa nunca”, sentenciou. Concordei com a cabeça, era o mínimo que eu podia fazer.

De volta ao lençol, percebi logo que faltava a outra fronha.

Olhei embaixo da cama.

Nada.

Chacoalhei os lençóis.

Nada.

Debrucei de novo na janela.

Nada no chão.

Que raios, eu já tava apelidando a infeliz de Malaysia e detectei algo suspeito duas janelas pra baixo da minha. Me inclinei um pouco mais e…

…putz, era ela!!

Certeza.

(repare na foto abaixo, feita da minha janela, o local exato onde a fronha parou)

 

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Porque na mega-sena eu não ganho, mas uma droga de janela estreita eu acerto sem ver!

Até pensei em deixar quieto, mas, poxa, é do joguinho e só tenho três joguinhos de cama! Então decidi:

Vou lá buscar. Agora eu vou até o fim.

Isso tudo resumido em poucas palavras e eu me sinto a louca da fronha na frente do vizinho do sexto andar.

Ele capta rápido a minha história, me poupa de detalhes sórdidos (que eu perguntaria no lugar dele), me convida pra entrar (fofo!) e vai lá dentro procurar a dita.

Parada na porta, noto que ele tem um companheiro na sala, parece que interrompi um TCC ou algo assim.

Quando ele aponta no corredor com a minha fronha na mão, só resta um ataque de riso coletivo.

– Acontece (diz ele, sorrindo).

É… comigo acontece.

 


Foto: arquivo pessoal.

 

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