Manhã de quarta-feira, 26 de agosto de 2015. #vou_tecontar que a trilha de hoje tá aqui:
Senhora, esse exame aqui o seu convênio não cobre. Está bem, farei os outros. São 21, portanto. Só aguardar, vão chamar pelo nome. Obrigada. Senhora Maria Rebello. Eu? A senhora é Maria Rebello? Não. Sim. Quer dizer, sou. Documento e protocolo, por favor. Pode sentar. Sou eu, viu? Como se alguém quisesse tomar o meu lugar aqui. Jejum de 12 a 14 horas? Sim, 13. Confere o nome e data de nascimento nos tubinhos, por favor. Um, dois, três… nove. Ok. A tiazinha de óculos e cabelos brancos derrubou um negócio, se atrapalhou com a luva – a luva era azul, eu nunca tinha visto luva azul no laboratório, conferiu o papel, o tubinho, o papel de novo. São dez etiquetas e nove tubinhos, tem alguma coisa errada. Olhou, olhou de novo, olhou outra vez. Pensei em oferecer ajuda, mas ela pediu pra aguardar e foi lá dentro verificar. Respondi um e-mail. Ela voltou. Estava mesmo faltando um. Nossa, que bom que você viu. Legal, a tiazinha era atrapalhada, mas cuidadosa, ponto pra ela. Eu não ia querer voltar por causa de um tubinho, uma etiqueta, uma ferritina qualquer. Botou o apoio. Coloca o braço aqui. Virou o apoio. Assim é melhor. Colocou um elástico, apertou o elástico, tá bom assim? Deu batidinhas na veia. Tinha todo o tempo do mundo. Abre e fecha a mão. Assim. Agora deixa aberta. Colocou a outra luva, se atrapalhou com a luva azul, respirou, procurou alguma coisa. Pegou uma agulha, devolveu, pegou outra. Caramba, essa tia sabe mesmo o que tá fazendo? Agora uma picadinha. Leve, de leve. Legal, a tiazinha é confusa mas tem mão leve. As aparências enganam. Vai demorar um pouquinho, tá? Tá, né. Um tubinho, dois tubinhos. Que sangue lerdo. Troca o tubinho, afunda a agulhinha. Uma eternidade e ainda o quarto tubinho. Gente, nunca vi uma coleta tão devagar. Olhei pra porta, respirei. Quinto tubinho, esse era maior. A cada troca de tubinho uma pontadinha e logo perdi a conta. Silêncio. Escutei meus batimentos. Lentos. Vamos distrair que passa mais rápido, né? Pensei no trabalho esperando, no que teria pro almoço, na ligação perdida e, putz, esqueci de tirar o lixo. Esquentamento, ofegância, mas não por causa do lixo ou da geladeira vazia. Falta muito?, pensei. Falta muito?, perguntei. Não, falta só um depois desse, você está bem? Sim. Não. Quer dizer, pode acabar logo? Não tô me sentindo muito bem. Merda, só me faltava essa. Suadouro. Zonzeira. Frio, calor e a tia abre a porta. Chama o Mauro. A pressão dela caiu. Burburinho, luz que vai, luz que vem. Alguém aperta minha nuca. Levanta a cabeça dela. Pano molhado. Estica a perna. Os lábios estão brancos. Tiro o casaco. Você quer uma bolachinha? Você está sozinha? Oi, fala comigo. Não. Sim. Posso deitar um pouquinho? Pluft.
Alguém me carregou. Acordei deitada numa sala e vi uns flashes. O Mauro do lado, um copo d´água. Você está melhor? Sua pressão caiu, foi muito tempo em jejum e bastante sangue pra tirar. Sim, obrigada, desculpe, obrigada, quer dizer, lamento, poxa, obrigada, “isso nunca me aconteceu antes”, tá é mentira, mas não é rotina. Imagina, isso acontece, é normal, vc está um pouco fraca, pode ser anemia, mas vai passar, quer uma bolachinha salgada? Tem lasanha, Mauro? Brincadeira, obrigada, desculpe. Vou nessa, tchau.
E o que ficou foi um enjoo.
De laboratório.
#vou_tecontar, pra mim já deu.