Ah, não!
E vou perder a estreia do novo filme do Woody Allen. E quem vai pagar o plano de saúde? E eu ainda não assisti todas as séries, nem li todos os livros que eu queria. E as férias, eu vou perder as férias que eu nem programei, eu não acredito que vou perder as férias!
Foi nesse nível. O auge de uma segunda-feira de terror e pânico.
E enquanto eu #vou_tecontar meu drama você pode clicar nessa trilha sonora aqui, ó:
Até então eu pensava que o pior acontecimento do meu dia tinha sido encontrar uma barata ao lado da mesa no trabalho. O susto logo cedo, a vergonha do susto, o grito, a vergonha do grito, o ritual da matança pelas mãos do colega heroi, a limpeza terminal (“Tia, passa álcool?”), a checagem do ambiente (vai que a família também veio).
Passou.
Até eu entrar no elevador.
Às 21h10.
Tudo ia bem até que bloft. Barulho. Uma, duas, três vezes. E tchoft. Chacoalhão. Vários.
Eu olhava o painel e torcia pra chegar logo o oitavo andar. Chegou. A porta não abriu. A merda da porta não abriu. Eu estava no oitavo e a porta não abria. Apertei o nove. Chacoalhou, fez barulho. E, de novo, a porta não abriu. Ficou quente, eu tirei o casaco. Eu precisava de um plano. Então eu liguei pro zelador.
– Seu João, socorro, eu tô presa no elevador. Essa droga tá fazendo barulho. Essa merda vai cair. Me tira daqui, seu João!
Ele me convenceu a apertar pra descer. E disse que se não desse certo ele ia desligar e religar o elevador e a porta iria abrir, como das outras vezes. Ele me garantiu que a porcaria da porta ia abrir.
Respirei fundo e cliquei no “T”érreo.
Começou a movimentar E bloft. E tchoft. E parece que eu fiquei ali um milhão de anos. O elevador nunca foi tão quente, tão lerdo, tão pequeno, tão barulhento.
Entre o nono e o quinto andar o meu mundo despencava com a porra do elevador. Nessa hora eu não vi o filminho, mas projetei mil coisas pro futuro. Tipo a família comentando:
– Morreu de quê?
– De elevador.
Nãooooooooo.
Era deprimente demais. Essa modalidade definitivamente não estava na minha lista de possibilidades de causa mortis. Ainda se fosse, sei lá, de avião – e voltando de viagem, né, porque morrer na ida acho injusto.
Então eu fiquei imaginando se eu sobreviveria à queda.
Porque se eu estava mais ou menos entre o sexto e o quinto andar, se a corda arrebentasse, qual seria a aceleração constante, quer dizer a velocidade de queda livre, ou melhor, a intensidade da força da massa em newtons, e foi quando eu me lembrei que nunca aprendi física e eu jamais conseguiria fazer algum tipo de cálculo pra saber se eu ia morrer ou não.
Mas eu concluí, mais ou menos no quinto andar, que se eu não morresse ia ficar toda quebrada no fosso do elevador. Porque elevador não tem airbag, né? E se ali tivesse mola, estaria enferrujada. E lá embaixo seria feio, sujo, escuro, cheio de mosquitos da dengue e baratas. E as famílias do mosquito que me picou e da barata que morreu de manhã iriam rir da minha morte no elevador à noite. Tipo ~ a Lei do Retorno.
Passada a fase da negação e uma vez concluído que eu ia despencar com o elevador, com lágrimas nos olhos desejei não estar sozinha ali.
Geralmente eu prefiro andar sozinha de elevador. Porque eu sou antissocial e elevador cheio me dá certa aflição. Mas nessa hora eu queria alguém. Sei lá, pra morrer comigo, pelo menos (é egoísta, eu sei).
Podia ser o Carlos, vizinho de porta, podia ser o vizinho da fronha do sexto andar, podia ser a babá da menina do nono e podia, até mesmo, no momento mais difícil, a mãe chata da criança que grita.
Na verdade era eu que queria gritar. Berrar até perder a voz. Eu até dei um gritinho – de susto. Igual o grito da manhã, pela barata. Mas daí lembrei que tem câmera no elevador. Foi quando ele parou – o elevador. Estava no quarto andar.
Silêncio. Porta fechada. Calor. Medo.
Eu queria esmurrar a porta. Mas pensei na câmera. Eu não queria que meu último registro em vida fosse de uma mulher desequilibrada, em pânico, urrando e esmurrando a porta do elevador que ia cair de qualquer jeito. Tudo em preto e branco. Eu não queria que os peritos analisassem esse tipo de imagem deprimente. Que minha família tivesse essa lembrança de mim.
Então eu me pedi calma. Me pedi pra respirar. Pensei em tomar gotas extras de floral, mas lembrei que o vidrinho não estava na bolsa.
E eu lembrei dos perrengues que passei ao longo da vida e das vezes que eu achei que ia morrer mas não morri. E achei uma baita sacanagem do Universo me salvar de tudo pra me deixar morrer na merda do fosso do elevador de um prédio velho num dia feio em São Paulo. Ainda se fosse em Paris.
E que ódio eu senti do síndico naquela hora! E de todos os que votaram contra a troca do elevador em assembleia. E apostei que depois da minha morte eles iriam trocar o elevador. E ia sair no SPTV: Mulher morre em queda de elevador em SP. Em seguida pipocariam na imprensa matérias sobre segurança em elevadores.
Eu já tava pensando no meu funeral (será que a família vai lembrar que eu quero ser cremada e não enterrada?) quando o zelador desligou e religou o elevador.
E o prelúdio do meu solo no fosso do elevador deu lugar a um último barulho.
E a porta abriu.
E eu não morri.
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Mas agora só vou de escada, viu.