O dia em que eu queimei o amor

Era domingo. Eu ia sair. Mas acabou a luz. Já era noite. Procurei uma vela. Cadê? Não achei.

Abri gaveta, nada. Abri armário, nada. Onde será que eu guardei?

#vou_tecontar, mas enquanto isso você pode clicar nessa trilha aqui, ó:

https://youtu.be/359oIN0yeDI

Ok, vamos lá:  em que lugar, numa situação normal, eu guardaria uma vela?

> No móvel da sala

Água.

Vamos de novo: em que lugar, numa situação anormal, eu guardaria uma vela?

> …

Bingo!

Mas só tinha um toquinho. Acendi. O toquinho e eu ficamos ali no sofá, esperando a luz voltar.

Peguei o celular, bateria em 30%, queria navegar, mas decidi economizar (vai que…). Fiquei na janela, olhando a vizinhança ILUMINADA. Caramba! Não tinha chuva (faz tempo), não tinha ventania, não tinha motivo pra faltar energia e pelo jeito era SÓ NO MEU prédio.

Sentei.

O toquinho diminuía, meu tédio aumentava.

Sem luz > sem banho.

Sem luz > sem música.

Sem luz > sem filme.

Sem luz > sem internet.

Sem luz > sem telefone fixo (aquele que eu IA cancelar).

Sem luz > sem droga nenhuma pra fazer.

Sacanagem… eu IA sair.

Mas naquela hora eu já tinha outro problema > o toquinho.

Ele acabou.

Eu precisava de um plano.

Lembrei das velinhas decorativas. As florzinhas miúdas não iam durar 10 minutos. Mas tinha as pirâmides do amor. Uma duplinha de velas pequeninas em forma de pirâmide com uma inscrição japa e a palavra “Amor”. Ganhei de alguém, nem lembro quem.

Mas poderia eu queimar o Amor?

Eis o dilema.

Porque cada Amor ia durar, sei lá, uns 30, 40 minutos, se pá.

Mas eu não queria dormir cedo. Passava pouco das 19h30. Eu estava com fome.

Eu precisava de luz. Pelo menos uma chaminha suave pra passar creme de ricota nas torradas.

Então eu olhei pro Amor, quero dizer, pra vela.

Acender ou não acender?

Ah, é só uma vela – falou o fantasminha do lado esquerdo.

Mas é a vela do Amor – falou o fantasminha do lado direito.

Você vai queimar o Amor? – desafiou o lado direito.

Você vai ficar com fome no escuro? – perguntou o lado esquerdo.

Fiquei um tempo quietinha, olhando pro nada, o Amor ao lado. Impressionante como a cabeça da gente anda depressa quando o tempo anda devagar.

Cansada do breu, daquele papo de fantasmas e da dúvida sobre o Amor, decidi fugir de mim.

Risquei o fósforo. Acendi. E fiquei olhando a chama.

“Logo a luz volta e pronto, nem vai chegar a queimar o Amor”, pensei.

Daí os fantasmas todos gritaram.

Lado esquerdo, lado direito, um que parecia de centro e outro que estava aparentemente em dúvida (esse eu apelidei de Marina), todos queriam dar palpite. “Apaga“. ”Assopra“. ”Deixa disso“. ”É só uma vela“. ”Quanta bobagem“. ”As palavras têm poder“. ”Pelo menos não é a vela da Paz“. ”O Segredo“. ”É a chama da mudança“. ”Depois não reclama“…

Bla, bla, bla, bla.

Gente chata.

Aquela barulheira, a cera escorrendo e logo o pavio começou a se aproximar do Amor.

E nada da luz voltar.

O topo do A já estava comprometido, quando me refugiei num copo d´água. Duas torradas. Três torradas mastigadas no tempo da quase-escuridão e o Amor já estava semidestruído.

Simples assim. Uma chama fadada a se apagar.

Quer saber? Dane-se o Amor. Se a pirâmide tivesse alguma influência eu não estava aqui no escuro agora. Mas já vi que é do tipo que usa a palavra Amor em vão. Vela canalha. Merece queimar no fogo e morrer na escuridão.

O fato é que o primeiro Amor tava quase no fim quando, enfim, a luz voltou.

O segundo Amor sobreviveu. Intacto.

Por enquanto.

Faz mais de uma semana.

E ainda tem um lembrete na geladeira:

> comprar torradas

> e velas.

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