Já imaginou como seria tornar-se algo que te apavora?

Você já sentiu medo de acordar num dia qualquer sendo alguém que detestaria?

Assim: você vai dormir Você e acorda Eike Batista no instante de raspar a cabeleira no xadrez. Ou acorda num garimpo, peneira na mão, enterrado na lama até o olho esquerdo do Cerveró. Na cama de um hospital com um tubo na garganta, aquela luz branca na cara.

Já imaginou como seria tornar-se algo que te apavora?
Eu já.

Tenho medo de um montão de coisas, mas tenho um medo especial de me tornar a velha louca da rua.

De repente ou, que seja, lentamente.

Aquela criatura que perdeu feio no jogo da vida e hoje arrasta a coberta. Aquela que resmunga quando o povo passa. Que se abriga no papelão de molico, pede moeda e vive com fome. Aquela que conversa com um bando de gente e conta uma história diferente pra cada um pra justificar a rua como moradia. Aquela que não tem amigo, que entra e sai de abrigo. Que diz que não pode e parece que também não quer voltar pra casa.

A velha da rua me dá pena. Muita. Já dei iogurte, já dei pão, já dei boa noite e disse “fica com Deus você também”. Já acompanhei conversa longa, alta, esganiçada e detectei a loucura da velha.

Mas a velha da rua também me irrita. Irrita porque não sai rua, tanta gente ajuda, orienta, indica abrigo, programa social e tal, mas passa o tempo e ela volta pra rua. Irrita porque fica exposta à friagem, porque geme sempre aqui e ali adiante, pedindo moeda com a mesma melodia “ai que fome”, buscando a piedade de quem vê.

Só que a velha não aceita qualquer coisa, é bom frisar, vi recusar prato que foge da dieta. Sim, a velha da rua tá gordinha. E tem restrição alimentar. Ela é como a maioria de nós, afinal.

A velha da rua às vezes me dá raiva. Como quando não tinha moeda, não tinha iogurte, não tinha pão nem nada. A velha ficou brava, resmungou bem alto a falta da moeda. Feito criança mimada que não ganha o doce. “Ninguém me ajuda”, choraminga toda vez a mesma moeda.

A velha louca é coitada. É teimosa. É criança abandonada. A velha da rua é tudo e ainda mais – e nem é tão velha assim.

A velha da rua me apieda e me afronta. Personifica os meus medos. Do desamparo, da insanidade, da vida escorrendo sem controle pelos dedos das mãos cada vez mais enrugadas e soltas no espaço. Sem par nem mar pra nadar.

A velha vai direto nas veias mais calibrosas. Tapa na cara, dor de estômago, pena e raiva num espelho que eu vejo mas nunca quero olhar.

Mas que aparece na rua vez ou outra.

Tem um tempo que ela não dá as caras. 
E toda vez eu digo: da próxima vez vou puxar papo. Não por ela, por mim.

Porque ela é tudo que eu não quero ser.


Crédito da imagem: velhaelouca.com.br

Segunda-feira sem carne…

 

Segunda-feira sem carne. Sem frango. Sem peixe. Sem ovos. Sem iogurte, queijo branco, alface, tomate, azeitona. Segunda-feira sem coisa alguma.

Dieta do jejum intermitente? 
Não, amigos.

#Vou_tecontar que foi a diarista.
Se ela comeu tudo o que eu tinha em casa?
Não, amigos.

Ela deixou a geladeira FORA da tomada.
Na quinta-feira. 
Com esse calor de Lúcifer.
Magina?
Virou estufa.

Cheguei ontem (72 horas depois), aquele cheiro.
Duas horas pra limpar. 
Sangue (sim, tinha carne congelada), suor e lágrimas – de desgosto.

Perdi tudo.

Inclusive as marmitas congeladas da mamãe. Aqueles potinhos que acolhem a alma em dias difíceis, o carinho que te abraça aplacando a fome nessa vida louca da paulicéia.

Tu-do.

Sobrou só o pó de café. Garrafas d´água e formas de gelo.

Sério.

Já tem gente sugerindo picar a diarista. 
E congelar.


Crédito da imagem: Depositphotos.com