Quando Baleia Azul era apenas uma Baleia Azul

 

Quando eu tinha uns 12, 13 anos, minha melhor amiga – hoje “cumadi” – e eu inventamos uma Baleia Azul na escola pública do interior.

Nada mais era do que uma figura simbólica e romanceada, oriunda das profundas trevas marinhas para uma revanche contra os humanos maldosos. Todos os alunos mal-intencionados poderiam ser hipoteticamente “devorados” para viver como Jonas, na Baleia gigante.

Minha amiga, que tinha uma caligrafia linda de se ler, deixava recados pela escola:

“Cuidado com a Baleia Azul, ela pode te pegar”. Eventualmente, um desenho de baleia.

E era isso. Uma piada interna. Sem mais.

Fosse anteontem, seríamos acusadas de gordofobia e preconceito racial, já que a criatura foi batizada de “Baleia” e classificada como “Azul”. Muito embora não houvesse nem a mais vaga relação com os gordos de uma eventual casta azul.

E hoje seríamos acusadas de suicidas em potencial, muito embora jamais tenhamos cogitado qualquer tipo de autoagressão for any reasons why.

Aos 12, 13, éramos menos maníacas e mais Moby Dick. Sabe?

Gordos, coloridos e suicidas não estavam na nossa pauta. Nem existia internet. Existia a nossa Baleia Azul ingênua, desenhada com giz branco, sem carne, sangue ou barbatanas.

Existia o desafio de pular o muro da escola pra comer pão de queijo no centro e de entrar escondido no salão nobre pra tocar piano. Eram as nossas contravenções à la Baleia Azul.

Quando vi notícias sobre o jogo mortal da Baleia Azul, imediatamente me lembrei do “nosso” mito da Baleia Azul. Logo recebi mensagem no WhatsApp, da cumadi chocada:

“Nossa Baleia Azul era tão inocente. Mundo cruel”.

Outros tempos. Outras baleias.

Desgraçados. Além de tudo poluíram uma das minhas lembranças mais doces da escola.

 


Imagem: www.youtube.com/watch?v=FEL354-mn2Y

Cor: preta; marca: Calvin Klein

Meio de pijama, botei minha havaiana e prendi o cabelo bem assim à paisana pra dar um pulinho ali no mercado.

Meta: Gatorade, água e sal e outros itens pra quem passou mal a noite inteira. Seria rápido, pá pum, passa no cartão e volta pro sofá antes que a cabeça exploda, sabe?

Caminhando meio zonza na rua aqui de casa e – gente, precisa ser um dia tão iluminado? – quase na esquina avisto uma roupa íntima masculina, na cor preta, marca Calvin Klein, jogada na calçada.

Febre? Confusão mental? Não, era mesmo. Digo, não era confusão, era uma cueca. Tudo uma questão de botar a vírgula no lugar certo. Já a peça de roupa, sei lá qual é o lugar dela.

Segui pensando num enredo, tipo bem carnavalesco, que levou àquele cenário. Digo, que levou a peça íntima, não a mim, o meu enredo é a busca do Gatorade e não tem folia como mote.

Peguei uma cestinha, Gatorade (check!), água e sal, creme de ricota e vamos ver um queijo branco bem novinho aqui no refrigerador. Tava frio, tava quente, tava claro, tava zonza.

Escutei ao longe um “Vizinha?”. Sei lá se duas vezes ou mais, sei lá onde é que eu tava, se dentro do pote de queijo branco com validade pra 01.04.2017, se abominando a luz do dia ou construindo um enredo carnavalesco. Olhei, era o Vizinho amigo. O Vizinho e a mãe linda do Vizinho.

Ora, ora, Universo, seu serelepe. Precisa me botar de destaque diante de pessoas bacanas nesse meu estado, pior que carro alegórico despencado na avenida?

Precisa, Universo?

Conversa amigável, como vai o cachorro e tal, sei lá o que mais. Beijo, tchau. Eles devem ter pensado que eu tava doidona.

Nota paulista?

Não precisa, tem uma bateria na minha cabeça e cada bip no teclado é um desafino doloroso.

No crédito, por favor.

Obrigada, boa tarde.

Viro a esquina, ainda está lá. O Vizinho? Não, a cueca.

Então, a quem possa interessar: peça íntima masculina jogada na calçada ímpar da Artur de Azevedo, quase esquina com a Mateus Grou. Cor: preta. Marca: Calvin Klein.

Não me pergunte mais nada porque eu não sei, não quero saber e já passei da validade hoje.

 


Imagem: SkyscraperCity.com

O dia em que eu vi o homem aranha chorar; e o dia seguinte

Dia 1:

#Vou_tecontar que eu vi o homem aranha chorar.

Foi hoje cedo, vindo de carro pro trabalho. Ele tava sentado na sarjeta, num retorno da Av. dos Bandeirantes. De vestes sujas, bem puídas, ele olhava pro chão – e chorava. Uma grávida descalça parecia consolar.

O herói das ruas tava magro, abatido, roto – e aos prantos.

Não foi fácil ver o homem aranha chorar. 
Eu quis chorar com ele.

Como faz, gente? 
Como viver numa sociedade que faz o homem aranha chorar na sarjeta?

Dia 2:

Eu vi o homem aranha chorando na sarjeta outro dia.

E para quem pergunta se minhas histórias são reais, apresento o homem aranha das ruas.

Porque ele não desiste.

Nem eu.

A gente senta, chora, levanta e continua.

 


Imagem: arquivo pessoal.

Listen to your heart

Da mesa do restaurante, escuto o papo das quatro jovens de vinte e poucos ao lado:

– Então é isso, meninas, casei – ou melhor, juntei – e a Margot é nossa primeira filha.

– Ela deve ser linda!

– Sim. E super esperta. Vai pra escola três vezes por semana. Daí volta cansada e desmaia. Hoje, por exemplo, não foi. Então sei que vai dar trabalho pra dormir.

– Normal, quando crescer melhora.

-Imagino que sim. Preferia que ela fosse pra escola todo dia, sabe, mas fica caro.

Fiquei pensando que raio de escola é essa que vc escolhe a frequência.

Logo entendi:

– Sabe, no começo eu não queria. Mas ele insistiu. Quando viu, disse: é nossa, a nossa primeira filha! Então compramos. Com 5 meses ela já senta, fica, dá a pata e troca a pata. Precisa ver. Na escola eles adestram.

Margot é uma border collie.

O próximo filho vem no ano que vem. Da barriga. Ela acabou de contar. Também disse que passou frio em Chicago na semana retrasada e tá super bem no emprego em Alphaville.

Agora tá o maior troca-troca de smartphones, fotos, cosmopolitan e risos.

Tá tocando Roxette.

Listen to your heart.

 


Imagem: livestrong.com

Carnaval em branco

Pão de Açúcar da Mourato Coelho, sábado à tarde.

Omo, Comfort, Limpol, lustra móveis, papel higiênico… – #vou_tecontar que já pego logo de pacotão porque é mais econômico e dura mais.

Fila do caixa. Na minha frente, latas de cerveja. Atrás, catuaba selvagem.

Sim, é Carnaval em Pinheiros.

Mais de 35 graus e a turminha com três garrafas de catuaba. Glitter, penachos e fantasias pra todo lado.

Acho que “se pá” só eu fazia compras à paisana, no modo tradicional. Sacolas nos ombros, pego o fardo de papel higiênico e o caminho de casa.

Encontro foliões aos montes, se multiplicando exponencialmente (existe isso?).

Pensa rápido, Lília. Podem mexer contigo, perguntar qual a fantasia…

Opção 1: tirar o Limpol da sacola e fazer a “diarista”.

Não.

Opção 2: bancar a “cagona” e levantar o papel higiênico.

Não, sacanagem.

Opção 3: já sei: se alguém perguntar digo que tenho baile e vou de loira do banheiro. Para dar efeito uso papel higiênico de serpentina.

Mas quer saber?

Eu queria mesmo é fazer a múmia e passar em branco.