Cabeleira, cabeloira

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Os primeiros cabelos brancos costumam ser alvo de maus pensamentos das mulheres. São o primeiro indicativo concreto – ao vivo e sem pigmento – de que o gráfico da vida vai se inverter e a queda é inevitável. Dramático, mas bem real.

O branco aparece, a gente arranca. Diz a lenda que nascem sete (7!) a cada um (1!) que é assassinado. Deve ser verdade pois, conforme negamos, um a um, eles se multiplicam rápido pela cabeça. E #vou_tecontar que eles judiam quando começam a se destacar mesmo com o cabelo molhado, vários, espetados, rebeldes. Nessa etapa, arrancar já não é mais uma opção. O prata grita no espelho e não, não dá efeito glamour.

Nada contra pintar o cabelo, mas não acho uma boa ideia ser sócia da L´Oreal desde já e pra vida toda. É um contrato indesejado, desvantajoso, quase cruel. E os efeitos cumulativos da tinta sobre o cabelo são como os do tempo sobre a pele… sem volta. Ressecamento, queda, opacidade… e não adianta dizer que o mercado evoluiu e as tintas de hoje tratam os fios e bla bla bla whiskas sachê. Estraga. É ruim.

Sem falar na preguiça de incorporar um novo ritual à vida, já tão cheia de procedimentos. Frequentar $alão na obrigação pra manter a cor natural e esconder a famigerada raiz dá deprê. É pagar pra parecer que você continua exatamente igual. E, vamos combinar, aquele efeito artificial-barato-caseiro-amarronzado-acobreado-cafoninha de farmácia não rola.

Loira oxigenada deve penar bem menos nesse momento da vida. Habitué dos salões, talvez nem realize a invasão dos brancos bárbaros. Já nem lembra mais a exata cor natural dos fios mesmo. E está sempre com o pincel na cabeça mesmo. A rotina não muda mesmo. O bolso já acostumou mesmo. O espelho já nem liga mesmo. Não é mesmo?

Tenho lembranças da minha mãe com reflexos – moda nos anos 80 para disfarçar a passagem dos anos. Linda, bem cuidada, com pele e olhos realçados, aparência saudável. Mas isso foi no tempo das ombreiras, gente. Viramos o milênio e ninguém ainda foi capaz de evitar esses malditos despigmentados? Como é que pode? Murphy sempre de plantão: não herdei a beleza de miss da minha mãe, mas herdei a tendência ao branco precoce e o mau colesterol. Maravilha.

Em busca de alternativas, uma consulta à cabeleireira e o diagnóstico fatal: mulher não fica velha, fica loira. Melhor você fazer luzes suaves, não muito claras… fica discreto, dura bastante, não compromete e disfarça bem. Nessa hora senti uma paulada. Como se estivessem me empurrando pro abismo da loirice, sem chance de defesa, sem um cipó pra me agarrar, de onde eu gritaria “me tirem daqui!”

E, desde então, vinha adiando a medida, da mesma forma que adio o laser facial, o bloqueador 50 (ainda estou no 30), o ômega 3, o Yakult 40. Na primeira versão desse texto, de 2011, eu achava que de 2012 não passaria. E eu imaginava várias vezes como seria. Aquele cheiro de tinta, o papel alumínio, os minutos de espera e o choque de me ver velha, ops, iluminada. Eu olharia atentamente pra imagem no espelho, procurando Dori. E diria: cadê eu? Eu me quero de volta.

Teimosa que sou, durante quase 5 anos eu me segurei firme no tonalizante castanho eventual. Me agarrei ao argumento de que não tenho alma loira e que algumas sessões de luzes = uma passagem aérea. Busquei honradez na despigmentação paulatina, lutei ferozmente por uma transição suave, cogitei pratear. Acreditem, eu resisti bravamente até meados deste ano.

Até que, vencida pelo espelho, pela recorrência desgastante, entreguei os pontos e os fios aos cuidados da colorista. Saí iluminada por fora e sem passagem aérea nas mãos.
Naquele dia e nos dias seguintes, eu falei: cadê eu?

Depois passou.
Porque é mesma alma por dentro.

Sabe, eu acho que resiliência é uma lição do tempo.
E o pigmento é certamente o menor dos meus dramas hoje.

 

PS. E se vc tá achando que eu fiz um texto animador, tá enganado, viu. Eu só quero dizer que tem merda bem pior rolando. 😉

 


Foto: arquivo pessoal.

Dia dos Pais e a menina da fotografia

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Esses dias eu estava esvaziando um HD antigo e encontrei a última foto com meu pai. #vou_tecontar que foi a primeira vez em 9 anos que consegui olhar pra ela sem me debulhar em lágrimas e soluços incontroláveis.
Derramei lágrimas, sim, mas além da saudade apertada, vieram muitas lembranças boas. Porque eu dei muita sorte com pai nessa vida.

E hoje, nesse clima de Dia dos Pais, eu olho pra primeira e pra última foto de nós dois juntos (talvez até exista outra primeira, mas eu só tenho essa), e me lembro de quantos momentos bons tivemos. E do quanto ele ainda está presente na minha vida. De como eu quase escuto a sua voz de vez em quando, fazendo uma piada, me dando um conselho.

Eu não me recordo da primeira foto, claro, eu só tinha 2 anos. Mas me lembro de um pai presente, carinhoso, cuidador, paciente, que me ensinou a caminhar na vida e sempre esteve ao meu lado em qualquer circunstância.

Da outra foto eu me lembro exatamente, e com detalhes. Foi em março de 2007, registro de um celular Nokia velhinho que eu tinha em mãos nos últimos dias que passamos juntos. Era o fim de um período em que os papeis se inverteram e eu tive a chance de poder cuidar, amparar e tentar suavizar dores físicas e emocionais (nem sei se mais as dele ou as minhas).

De alguma forma eu queria retribuir minimamente o pai incrível que ele foi, estando ao seu lado, fazendo o possível e o impossível pra tirar seu sofrimento, para dar alívio e colocar um sorriso naquele rosto, que tantas vezes me fez sorrir só por existir.

E por mais que tenha sido um período terrivelmente difícil, sim, ele sorria, ele fazia piada, ele tinha paciência e tornava tudo mais leve.

Eu tinha 29 anos quando disse alto pela última vez:

– Pai, eu amo muito você. Você é o melhor pai do mundo, nunca se esqueça disso. E quando você acordar, a gente vai fazer um passeio bem gostoso.

Ele não acordou.

Mas a verdade é que, lá no fundo, essa menina de 2 anos da fotografia vai esperar pra sempre.

<3

Com as boas lembranças. Que são lindas.
Feliz Dia dos Pais.

 


Foto: arquivo pessoal.

Ali na sarjeta

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Manhã cinza e fria em SP.
Na sarjeta da Engenheiro Ary Torres vejo de relance sonhos de 2017.
De todo o resto de uma vida idealizada.

Ali, na sarjeta, os sorrisos, as mãos entrelaçadas, os olhares de cumplicidade, as noites de alegria.
O cachorro vira-lata, as viagens pra montanha, as macarronadas de domingo.
Ali na sarjeta os filhos que eles não vão ter.

Ali na sarjeta um beijo seco, amarelado pelo tempo, murcho, sucumbindo à inanição sem cuidado e atenção.
O resto doloroso e espinhoso do amor da vida toda.
Ali na sarjeta o último gesto desnudo, a busca de um laço, a tentativa falida entregue num só maço.

Ali na sarjeta, um ponto vermelho sobre cinza, feito sangue esfriando sobre asfalto cru.
O último suspiro, quase sem pulso depois do último impulso.

Ali na sarjeta, de relance, feito morte instantânea por acidente.

Eram rosas vermelhas.
Eram flores jogadas naquela sarjeta.

Vi assim, de relance.
Ali na Engenheiro Ary Torres.

 


Imagem: eutanasiamental.com.br

O mistério da meia desaparecida

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Os dias em São Paulo têm sido frios. Muito frios. Não sei você, mas eu sofro no frio. Abomino dormir sem poder me mexer direito na cama porque na área ao lado existe um iceberg. E sem poder levantar pra ir ao banheiro sem desejar uma bexiga extra nem que me custe o dobro. A verdade é que, pra mim, se passou de um edredom virou Alasca.

Não me entenda mal. Frio pode, sim, ser legal. Mas não na rotina de São Paulo, numa vida sem preparo nem calefação. Frio é legal em Paris, Londres e Nova York. Frio é legal quando você tem 2 Kg a menos pra comer fondue de chocolate sem dó. Garrafas de vinho bom e fígado em dia. Ponto.

Dito isso, preciso dividir com você um acontecimento, no mínimo, curioso, pra não dizer logo misterioso: #vou_tecontar que um pé de meia sumiu. Desapareceu. Sem deixar rastro nem bilhete.

E não foi na máquina de lavar (porque eu sei que máquinas de lavar possuem um portal que levam meias desparceiradas para o fantástico mundo das meias e nunca mais devolvem. Lá elas se libertam de suas obrigações sociais e formam novos pares, sem restrições de cor, tamanho ou origem).

Pois bem, vou explicar o caso pra que você possa me ajudar, quem sabe, a decifrar. Ou terei que chamar Sherlock.

Ocorre que ontem estava frio, como você deve saber. E eu usava uma meia quentinha pela casa, de modo que tava tudo sob controle com meus pés. À noite, na hora de tomar banho, eu tirei a calça antes de tirar a meia. Deixei a meia por último porque meus pés ficam gelados muito facilmente.

Daí que a calça engoliu a meia. A meia do pé direito escorregou e foi ao chão. Mas a meia do pé esquerdo não. A meia do pé esquerdo desapareceu na calça. De início, eu achei que ela tinha ficado presa na perna da calça e seria facilmente resgatada. Virei do avesso. Nada. Olhei pelo chão, debaixo da cama, atrás da mesinha (quem sabe teria sido arremessada à distância)… pois nada.

Cara, a meia SUMIU!

Pois fui tomar banho, peguei minha mantinha, tomei um chazinho, respondi e-mails. Pensando na meia. Antes de dormir, procurei de novo. Porque às vezes a coisa tá no nosso nariz e a gente não enxerga, né? Nada. Eu dormi pensando naquele pé de meia. Capaz até de eu ter sonhado com uma meia rindo da minha cara.

Hoje cedo, vasculhei o quarto novamente. Que raios, onde foi parar essa droga de meia? A janela nem tava aberta pra ela escapar! O fato é que agora o pé de meia direito está sozinho. Sem par. Descombinado. Praticamente um inútil em sua existência “meiística”.

Sim, eu tenho outros pares de meia. Vários. Quase todos iguais, inclusive. O que me incomoda não é “abrir mão” de um par de meia ou usar meias descombinadas. O que me incomoda é esse desaparecimento sem explicação. Essa piadinha de duende. Essa tiração de sarro de espírito de porco. Esse desafio à minha sanidade mental em pleno dia se semana.

Pô!

Daí, quando a diarista chegou, eu apresentei o pé direito pra ela e disse: se você encontrar o outro pé dessa meia aqui, ganha um doce. Ele está desaparecido desde ontem, por volta das 20h30, no meu quarto. Valendo. Boa sorte!

E saí pra trabalhar. Com meias listradas e compridas. Porque são mais difíceis de escapar. Acho.

Agora tô aqui sentada, na frente do computador. E adivinha o que não me sai da cabeça?

 


Foto: apartmentguide.com